sábado, 30 de outubro de 2021

2.6 - D. Afonso III

     A história dos municípios adquiriu uma nova dimensão no reinado de D. Afonso III, em consequência, por um lado, da atenção que o Rei dedicou aos concelhos, e, por outro lado, em resultado de se haver tornado uma prática corrente a redução a escrito das principais decisões régias e o seu concomitante registo nos Livros da Chancelaria. Pelo que diz respeito aos municípios, tornaram-se objecto de registo não só os forais e cartas de aforamento mas também uma multidão de outros actos, como escambos, sentenças, pactos, procurações, cartas de feira, cartas de arrendamento da cobrança de tributos, etc.

        1. A importância dos municípios.

      Pela primeira vez temos a certeza da presença dos representantes dos municípios em Cortes, nas que se realizaram em Leiria em 1254[1], ao mesmo tempo que se reconhece a importância da sua participação em decisões tão importantes como as de índole fiscal, designadamente no que dizia respeito à quebra da moeda. Nas Cortes de Leiria de 1254, o monarca renunciou a esse direito – de quebrar moeda – em troca de uma contribuição voluntária geral; foram também despachados agravos de alguns concelhos — Lisboa, Santarém e Guimarães — sobre questões de justiça, tributação, relego e outras, que se repetirão noutras reuniões das Cortes portuguesas da Idade Média[2]. A necessidade de contar com a anuência dos concelhos nas matérias de natureza fiscal viria de novo ao de cima nas Cortes de 1261[3] e noutras que se lhe seguiram, especialmente no reinado de D. Fernando.

 

        2. Novos forais.

            Não é a inexistência de forais outorgados por entidades privadas que distingue a orientação adoptada por D. Afonso III em relação aos municípios da que foi seguida no reinado de D. Sancho II. Ela foi, em grande parte, a consequência do papel atribuído a várias entidades no povoamento e organização do território conquistado, cujo incremento constituiu visivelmente uma das linhas programáticas deste reinado.

            2.1. Na sua maioria os forais que directa ou indirectamente tomaram por modelo o de Évora foram outorgados, com efeito, pelas ordens militares — Setúbal[4], em 1249, Aljustrel[5], em 1252, Mértola[6], em 1254, Garvão[7], em 1267, todos subscritos pelo Mestre da Ordem de Santiago; Avis[8], de 1253, pelo Mestre da Ordem do mesmo nome, tal como os de Seda[9], de 1271; Tolosa[10], de 1262, pelo Mestre da Ordem do Hospital — ou por outras entidades: o de Vale Flores[11], de 1257, e o de Alcáçovas[12], de 1258, pelo Bispo de Évora, o de Portel[13], de 1262, por D. João de Aboim, e o de Terena[14], de 1262, por Egídio Martins.

            Um bom número destes espaços traduzia um avanço no controlo efectivo do território, em relação aos tempos anteriores, tendo como delimitação, a partir de Elvas, para sul, a corrente do Guadiana, ainda sem incluir Mourão, Noudar (Barrancos), Moura e Serpa, que apenas serão definitivamente integrados em Portugal no reinado de D. Dinis.

            No grupo de forais inspirados no de Évora, foram outorgados pelo Rei os de Elvas[15], de 1252 (precedido pelo de 1229), de Arronches[16], de 1255, de Penha Garcia[17], de 1256, de Aranhas, de 1256[18], da aldeia de Vila Nova[19], de 1258, e de Marachique[20], de 1261.

            2.2. Outras localidades que completam o mapa do território bordejado pelo Guadiana, incluindo o Algarve, receberam forais de outorga régia, cujo modelo foi o de Lisboa, de 1179. Entre os municípios que adoptaram esse paradigma, apenas Torres Vedras[21], com foral de 1273, se localiza fora do espaço constituído pelo sudeste alentejano e Algarve. A sua expansão iniciou-se em Beja[22], em 1254, seguindo-se-lhe, um pouco mais a leste, Odemira[23], em 1256, e depois Monforte[24], em 1257, Estremoz[25], em 1258, em 1258, Silves[26], em 1266, Aguiar do Alentejo[27], em 1269, Monsaraz[28], em 1276, Vila Viçosa[29], em 1270, Évora Monte[30], em 1271, Castro Marim[31], em 1277, Faro[32], Tavira[33] e Loulé[34].

            O foral de 1179 também serviu de modelo a outros, de outorga privada, como os de Beringel (que parcialmente segue o de Beja)[35], em 1262, de S. Martinho do Porto (que parcialmente se reporta ao de Santarém)[36], em 1257, ambos do convento de Alcobaça, e de S. Julião do Tojal[37], do convento de S. Vicente, em 1258.

            Em todos estes casos — nos forais concedidos por várias entidades, designadamente pelas ordens militares, e especialmente nos que foram directamente outorgados pelo monarca — o objectivo da outorga não era apenas o de criar uma povoação, que, aliás, na maioria dos casos já existia, mas o de erigir um município, concentrando no respectivo concelho a responsabilidade por um território mais ou menos vasto. O modelo mais adequado já não era o dos antigos burgos e das póvoas de limitado alfoz territorial, centrados nas actividades urbanas ou na exploração de herdades próximas do aglomerado habitacional, na pesca ou numa pastorícia de reduzida escala.

            2.3. Essa dinâmica acompanhou também a expansão dos forais que, seguindo o modelo dito de Salamanca, foram outorgados durante este período. Apenas um, no meio de todos eles, teve como destinatária uma comunidade localizada no seu tradicional cenário, a Beira Alta: Aguiar da Beira[38], com foral outorgado em 1258, já que a Ervas Tenras (1262)[39] se aplicaram somente as disposições relativas ao foro judicial. Nos outros operou-se a transposição do velho modelo para um novo quadro geográfico, cuja localização justificava a concessão de um estatuto adequado a uma área de fronteira, que efectivamente era. Quarenta anos depois da outorga pioneira a Contrasta (1217)[40], no tempo de D. Afonso II, seguiu-se, com D. Afonso III, a sua confirmação, com o nome mudado em Valença [1256][41], e a adopção do mesmo modelo para Monção (1256, 1261)[42], Viana da Foz do Lima (1258, 1262)[43], Prado (1260)[44] e Pena da Rainha (1268)[45] e a frustrada tentativa de o aplicar também ao velho burgo de Melgaço (1258)[46]. Preparava-se a outorga a Caminha (carta de 1273)[47] e a Cerveira (carta de renda ou de arrendamento de 1262)[48], que apenas se consumarão no reinado seguinte (1284 e 1321)[49].

            2.4. Aos espaços já referidos acrescenta-se a dinamização económica e administrativa da área de Trás-os-Montes, onde se assistiu a um extraordinário movimento de assentamento de colonos, de criação de aldeias dotadas de um adequado nível de autonomia e de erecção de municípios, em cujo espaço as mesmas viriam a ser gradualmente integradas. Em vários forais desta área aparece uma referência ao foral de Zamora. Mas o foral dito simplesmente de Zamora não existe, embora seja mencionado, também com referências genéricas, noutros forais leoneses, designadamente nos de Santa Cristina[50], localidade que ficava a um quarto de légua de Zamora, em 1062 e 1212, e no de Castrorafe[51], em 1129.  De todos eles, o que possuía um clausulado mais desenvolvido era o que foi dado a Santa Cristina, em 1212, por D. Afonso IX de Leão. A sua leitura sugere-nos que o foral de Zamora se caracterizaria pela leveza dos encargos impostos aos moradores. Assemelhar-se-lhe-iam nesse aspecto o de Bragança[52], outorgado em 1187, e o de Penarroias[53], de data próxima. Do antigo foral de Bragança diferem, porém, na explícita atribuição aos moradores da prerrogativa de eleger os juízes — e o facto de estes serem dois está de acordo com a evolução dos tempos, correspondendo a uma exigência prática (responder ao crescimento das tarefas que competiam aos juízes, contornar as dificuldades resultantes do impedimento eventual de alguns deles), possivelmente sem que nada tenha a ver com a influência do foral de Zamora.

            Enquanto a Mirandela já em 1250 tinham sido concedidos os “forum et costumes de Blagancia”[54], que o de Monforte de Rio Livre (1273)[55] tomou igualmente como referência, reportaram-se expressamente ao foral de Zamora o de Chaves[56], outorgado em 1258, assim como o de Mogadouro[57], de 1272, e os novos forais de Penarroias[58] e Freixo de Espada Cinta[59], todos de 1273. Não se referem ao foral de Zamora o de Vila Real[60], de 1272, e o que em 1273 foi concedido a Montalegre[61].

            Não se conhece o texto de qualquer foral propriamente dito outorgado a Lamas de Orelhão, centro de um extenso julgado, mas o concelho é referido na carta de arrendamento, de 1259[62], e quanto ao de Vinhais, já existente em 1224[63], poder-se-á considerar como substituta do foral a já citada carta de 1253[64]. Todas estas povoações se tornaram centros de circunscrições territoriais que englobavam um número considerável de aldeias. O caso mais flagrante foi o de Vila Real, que, face à inexorável decadência de Constantim, ascenderia à categoria de capital da terra de Panóias. E isso apesar da intensa dinâmica que se traduziu em dezenas de cartas de foro outorgadas pelo Rei ou pelos seus mandatários no território de Trás-os-Montes, a diversas comunidades de agricultores, especialmente na terra de Panóias, e em todo o vale do Tâmega, com maior incidência na área de Aguiar de Pena, na sua maior parte dotadas de um certo grau de autonomia.

            A organização destes grupos era equivalente à que já descrevemos, quando estudámos os mais antigos, no capítulo sobre “Os forais da terra de Panóias”, do nosso livro Origens dos Municípios Portugueses[65].

            2.5. Alguns documentos do reinado de D. Afonso III informam-nos da existência de alguns concelhos, de cuja fundação não conhecemos a data nem qualquer documento alusivo: é o caso de Penajóia (Pena Julia), que é referida na autorização que o monarca concedeu para que os moradores construíssem um canal no rio (Douro), ao que parece, destinado à captura de peixe, num lugar chamado Aguda, abaixo do “porto” de Moledo[66]. De igual modo sabemos da existência do concelho de Penalva (do Castelo), através da carta em que os habitantes, por intermédio dos seus procuradores, renunciavam aos direitos que tinham sobre a igreja de S. Pedro, do referido lugar[67].

            Bem diferente foi o que se passou em relação a Castro Rei, actualmente concelho de Tarouca, em que o próprio topónimo evoca um povoamento ancestral, ainda que não coincidente com a futura sede do município: D. Afonso III, fazendo doação aos habitantes de uma “popula” já existente na terra de Tarouca, declara que a deseja povoar com o estatuto de uma povoação que parte do nada, como se renascesse das cinzas, tal qual um fogo morto: “quam modo populo de foco mortuo”[68].

 

        3. “Cartas de renda”.

            As cartas de renda, chamemo-lhes assim[69], constituem o instrumento adoptado pelo rei para a consecução de vários objectivos: garantir a entrada certa de receitas anuais no cofre régio, sem necessitar de um aparelho fiscal muito complexo, de funcionamento problemático e duvidosa eficácia; interessar os órgãos locais, designadamente os concelhos, no funcionamento da justiça, com a inerente aplicação e cobrança das coimas, e no desenvolvimento económico, propiciador de mais avultados ingressos (rendas das terras, portagens, etc.); tornar efectivo e palpável aos seus habitantes o domínio dos concelhos sobre o espaço circundante, evitando abusos e intromissões de poderes estranhos e concretizando as disposições contidas nos forais ou preparando a sua outorga. Estas cartas, de um modo geral, fixavam um tributo único, em dinheiro, a pagar anualmente pelo concelho, e em troca faziam reverter a favor deste a totalidade ou uma grande parte das receitas que o monarca tinha o direito de arrecadar no território.

            Por vezes, a elaboração deste instrumento exigia uma redefinição do termo do município, integrando dentro dele alguns espaços que até aí gozavam de duvidosa autonomia e tornando cada vez mais nítida a distinção entre concelhos de município e concelhos de aldeia.

            Durante o reinado de D. Afonso III realizaram-se diversos contratos deste género, como sucedeu com Bragança[70], em 1253, com Sernancelhe[71], em 1259, com Lamas de Orelhão[72], em 1259, com a Guarda[73], em 1260 e 1272, com a Covilhã[74], em 1260, com Porto de Mós[75], em 1269 e 1274, com Trancoso[76], em 1270, com Monsanto[77], em 1271, e com Penamacor[78], em 1274. Os moradores de Jales, em 1273, enviaram um procurador para negociar com o Rei a renda a pagar anualmente[79].

           Dentro do mesmo espírito se devem entender os escambos de terras, precedidos por vezes de morosas negociações com diversas entidades, destinados a evitar que, dentro do alfoz concelhio, houvesse lugar para conflitos com jurisdições estranhas ao município. Conhecemos bem o caso de Viana da Foz do Lima[82], que já foi objecto do nosso estudo[83], e ainda os de Caminha, Cerveira, Melgaço e Vila Real (de Panóias).

 

        4. As feiras.

     Para além das preocupações com a organização administrativa do território, através da outorga de cartas de foro, e da sua rentabilização fiscal, mediante as cartas de renda, D. Afonso III interessou-se pelo seu desenvolvimento, especialmente com a criação de feiras distribuídas por todo o país[84]. As feiras eram importantes para facilitar a circulação de mercadorias e especialmente o escoamento dos excedentes da produção agrícola e o aprovisionamento dos centros urbanos, ao mesmo tempo que faziam chegar a massa monetária aos vários recantos do país, numa altura em que se punha gradualmente de lado a cobrança de tributos em géneros, substituindo-os por prestações pecuniárias[85].

     O mapa das feiras criadas por D. Afonso III revela a existência antecipada de um plano relativo à sua fundação, na mente do monarca.

    Havia já um conjunto desses certames, mencionados em vários documentos, designadamente em alguns forais — Constantim, Ponte de Lima, Melgaço e Vila Nova (Famalicão) — cuja função, se atendermos à sua curta duração, normalmente de um dia, e à sua periodicidade, era a do abastecimento local. Às já citadas somam-se outras duas, mencionadas nas Inquirições de D. Afonso III[86]: Ferrarias, na Maia, e Porto. Vários forais, especialmente os que seguem o paradigma de Numão/Salamanca, referem-se a um mercado local, acerca do qual desconhecemos tudo, designadamente se funcionava diariamente ou com que tipo de periodicidade: semanal, quinzenal ou mensal[87].

     A primeira feira de mais longa duração (oito dias) mas, em contrapartida, com menor frequência periódica (três vezes por ano), a de Castelo Mendo, foi criada por D. Sancho II, em 1229, na mesma altura em que procurou reanimar o espaço da Beira Baixa com a ressurreição da antiga diocese de Idanha. A localização da feira, no interior do país e na vizinhança da fronteira, e a sua duração são dados suficientes para deduzir que havia a intenção de lhe conferir um alcance ultra-regional e mesmo transfronteiriço, que todavia não terá alcançado de imediato, pois foi necessário que D. Dinis, em 1281, concedesse à localidade uma nova carta de feira, desta vez com periodicidade anual e duração de quinze dias.

     As grandes feiras anuais criadas no reinado de D. Afonso III, todas com a duração de duas semanas, situam-se no interior, em grandes centros regionais e relativamente próximas das fronteiras. Entre esses centros regionais de conhecida importância contam-se Bragança[88], Elvas, Évora e Beja, mas, apesar de não serem muito distantes entre si, não foram esquecidas outras localidades, todas situadas na Beira Alta, que então se caracterizava como uma das áreas do país mais livre de tutelas senhoriais e beneficiada por um crescente fervilhar económico. Tal é o caso de Trancoso, da Guarda, da Covilhã e de Penamacor. 

 

Feiras criadas criadas anteriormente ou referidas pela primeira vez no reinado de D. Afonso III 

 

Localidade

Period.

Dura.

  Data ref. doc.

Documento

Fundo documental

 

Ponte de Lima

quinzenal

1

  1125.03.04.

Foral

Gav. 18, m. 3, n.º 27

 

Melgaço

?

 _

  1185.07.21 /        1183?

Foral

F. A., m. 12, n.º 3, fl. 22, fl. 23 vº

 

Constantim

?

 _

  1196, p.

Foral de Souto

Ch. D. Af. III, liv. II, fl. 6 vº

 

V.Nova (Famalicão)

quinzenal

1

  1205.07.01

Foral

F. A., m. 12, n.º 3, fl. 4 vº

 

Castelo Mendo

3 vezes / ano

8

  1229.03.15

Foral

Ch. D. Dinis, liv. I, fl. 38 vº

 
Feiras criadas no reinado de D. Afonso III 
 

Localidade

Por ano

Dura.

Dia de início

Data da ref. doc.

Docum.

Fundo documental

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Guarda

1

15

8 dias antes do S. João 

1255.03.25

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 15

 

 

 

 

 

 

 

F. A., m.6, n.º 4, fl. 7

 

Ferrarias, Maia

_

_

 

1258, antes

Inquirições

Inq. 1258 (PMH-Inq., p. 506)

 

Porto

_

_

 

1258, antes

Inquirições

Inq. 1258 (PMH-Inq., p. 506)

 

Guimarães, castº

4

4

Meio de Março, Junho, Setº, Dezº

1258.05.16

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 28 vº

 

Covilhã

1

15

15 de Agosto

1260.07.25

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 45 vº-46

 

Beja

1

15

Quarta-feira antes de Ramos

1261.04.20

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 52 vº

 

Penamacor

1

15

24 de Abril

1262.04.05

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 60 

 

Elvas

1

15

3 semanas antes da  Páscoa

1262.12.21

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 66 

 

Coimbra

52

1

cada segunda-feira

1269.01.25

Posturas

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 6 v.º

 

Bragança

1

15

16 de Julho

1272.03.05

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 115 vº

 

Vila Real

12

3

10 dias antes das Kalendas

1272.12.07

Foral

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 117 vº

 

Trancoso

1

15

8 dias antes S. Bart. de Agosto

1273.08.08

Carta de feira

Livro I da Beira, fl. 214 

 

Torres Novas

12

3

Dia 1 do mês

1273.01.02

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl.118 vº

 

Montalegre

12

3

2.º dia antes das Kalendas

1273.06.09

Foral

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 110

 

M.e de Rio Livre

12

2

8 dias antes das Kalendas

1273.09.04

Foral

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 125

 

Évora

1

15

Dia de Santiago — Julho

1275.07.05

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 133 vº

 

Ansiães

12

1

Meio do mês

1277.04.06

Carta de feira

Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 140 v

O exemplo de uma feira em marcha

 

   Em Janeiro de 1269, o concelho de Coimbra, sob a forma de uma carta de concessão a favor do Rei, elaborou um regulamento pelo qual se devia orientar a feira semanal que o monarca estava para criar na cidade[1].  Este documento merece a nossa atenção, como o mais antigo testemunho sobre o ambiente e o movimento de uma feira destinada ao abastecimento local[2].

     Em primeiro lugar, o concelho manifestava ao Rei o seu agrado pela criação da feira, que se realizaria na almedina, e das respectivas estruturas de apoio: açougues, fangas e alfândegas com a sua estalagem (aqui entendida como o local destinado a guardar os animais de carga). 

     As mercadorias seriam descarregadas e depositadas nas alfândegas do Rei e as bestas usadas no transporte pousariam na “estalaria” régia, excepção feita para os moradores de Coimbra, que utilizariam, para esse efeito, as suas próprias casas, ou aqueles que estivessem de passagem e não vendessem aí as suas mercadorias nem permanecessem na cidade mais do que um dia. Pela recolha dos animais na estalagem, os feirantes pagariam, de cada besta muar ou cavalar, um dinheiro por dia e outro por noite; por cada asno, um mealha por dia e outra por noite. Sapatos, panos (excepto os de cor, pertencentes aos moradores da cidade), peles, mantas, feltros e toda a outra liteira ou passamanaria, deviam ser vendidos apenas na feira.

     As taxas cobradas pertenciam ao Rei, e apenas em relação às coimas aplicadas aos transgressores de algumas normas se dispunha que um sexto (10 em cada 60) revertesse a favor do alcaide. Os pesos e medidas a utilizar deveriam ser facultados nas ditas alfândegas.  As tendas de que o Rei dispunha para alugar aos feirantes seriam apregoadas todos os anos, em Setembro, quinze dias antes do S. Miguel. Só depois delas terem sido distribuídas poderiam ser alugadas outras. 

     Previa-se que da tributação, assim como da obrigação de usar as alfândegas e os açougues do Rei, para fazer as transacções, fossem isentos os moradores da cidade que vendessem artigos da sua própria produção (vinho, frutas, mel, azeite, panos de cor e presumivelmente os cereais). As regateiras que tivessem casa sua podiam aí vender azeite, mel, vinagre, castanhas, nozes, cominhos, pimenta, açafrão, ovos, alhos, cebolas, a dinheiradas e mealhadas, sem pagar tributo.

     Na tributação dos outros feirantes, adoptavam-se dois sistemas, conforme os produtos ou actividades: uma taxa correspondente aos produtos vendidos, ou uma quantia fixa, pela permanência na feira.

 

 

Feira de Coimbra: Taxas aprovadas pelo concelho em 1269 

 

Artigos / Actividades

Base de tributação

Tributo

 

Vinho (deve vender-se na alfândega do Rei)

carga cavalar

8 dinheiros

 

 

carga asnal

4 dinheiros

 

Carne e pescado — aplicar-se-lhe-ão as

normas em uso, com excepções:

 

 

    carne

cabrito

1 mealha

 

 

cordeiro

1 mealha

 

 

leitão 

1 mealha

 

 

cervo, cerva, veado, gamo 

3 dinheiros

 

    pescado

lampreia

1 dinheiro

 

 

sável 

1 mealha

 

    outro pescado

carga muar ou cavalar

3 dinheiros

 

 

carga asnal

3 mealas

 

 

cesto de pescado miúdo

1 mealha

 

 

cesto de pescado grande

1 dinheiro

 

 

saco ou colonho de pescado [1]

1 dinheiro

 

 

dúzia de peixotas secas ou congros secos

1 mealha

 

Padeiras 

um dia

1 dinheiro

 

Berças (hortaliças)

seirão 

1 dinheiro

 

 

cesto ou carga de colonho

1 mealha

 

Madeira 

carga cavalar 

2 dinheiros

 

 

carga asnal

1 dinheiro

 

 

colonho

1 mealha

 

Fruta

seirão 

2 dinheiros

 

 

colonho

1 dinheiro

 

Mel e azeite

alqueire

2 dinheiros

 

Tripeiras 

um dia

1 dinheiro

 

Alhos ou cebolas

carga cavalar

2 dinheiros

 

 

carga asnal

1 dinheiro

 

 

colonho

1 mealha

 

Vendedoras de pescado frito ou cozido

um dia

1 dinheiro

 

Vendedora de legumes

um dia

1 mealha

 

 

se vender de 4 alqueires até 1 quarta

1 dinheiro

 

Milho, trigo, cevada

 

o costume

 

Tendeiros, correeiros, sapateiros, fanqueiros, peliteiros, vendedores de mantas, esteireiros, feltreiros, adeleiros, vendedores de burel e outros

um dia

6 dinheiros

 

Os mesmos, se andarem pela feira

de cada artigo vendido

1 dinheiro



[1] Marcelo Caetano, As Cortes de Leiria de 1254, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1954; A. H. de Oliveira Marques, “Leiria (Cortes de 1254)” em Dicionário de História de Portugal, II, 1.ª ed., Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, p. 675.

[2] Cf. Nuno José Pizarro Pinto Dias, Cortes Portuguesas (1211 a 1383), policop., Braga, 1987, p. 42-44. Cit. em Portugal em Definição de Fronteiras / Nova História de Portugal, Direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. III, Lisboa, 1996, p. 540. Ver também Gama Barros, História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, Tomo I, 1.ª ed., Lisboa, 1885, p. 544-545.

[3] Ver também Gama Barros, História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, Tomo I, 1.ª ed., Lisboa, 1885, p. 544-545.

[4] T.T., Ord. de Santiago, Liv. dos Copos. Publicado em P.M.H.-L.C., p. 634.

[5] T.T., Ord. de Santiago, Liv. dos Copos. Publicado em P.M.H.-L.C., p. 636-637.

[6] T.T., Ord. de Santiago, Liv. dos Copos. Publicado em P.M.H.-L.C., p. 645-647.

[7] T.T., F.A., m. 11, n.º 11.

[8] T.T., Corpo Cron., parte II, m. 1, doc. 34; F.A., m. 10, n.º 6 e n.º 7, fl. 2; Ch. D. Dinis, liv. I, fl. 135 v.º-137 v.º.

[9] T.T., F.A., m. 11, n.º 5.

[10] T.T., Gav. 6, m. 1, n.º 31.

[11] Publ. em P.M.H.-L.C. I, p. 675.

[12] T.T., F.A., m. 10, n.º 2 e 3.

[13] T.T., F.A., m. 11, n.º 7.

[14] T.T., F.V., fl. 146 v.º

[15] T.T., Gav. 6, m. 1, n.º 238.

[16] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 39 v.º e fl. 152 v.º.

[17] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 18 v.º.

[18] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 18 v.º.

[19] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 33-33 v.º. Embora lhe sirva de referência o foral da Covilhã, designadamente na parte fiscal, e integre 54 casais, trata-se de uma aldeia, onde efectivamente não se encontram todos os elementos que caracterizam a estrutura municipal.

[20] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 58 v.º-59 v.º.

[21] T.T., Bens Próprios da Rainha, liv. II. Public. em P.M.H.-L.C. I, p. 634-636.

[22] T.T., F.A., m. 10, n.º 7, fl. 2; Ch. D. Dinis, liv. I, fl. 135 v.º-137 v.º.

[23] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 14 v.º.

[24] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 20.

[25] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 36 v.º; F.A., m. 11, n.º 12.

[26] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 82.

[27] T.T., Ch. D. João I, liv. IV, fl. 31; F.A., m. 9, n.º 1.

[28] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 135 v.º.

[29] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 99 v.º; F.A., m. 11, n.º 1.

[30] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 145; F.A., m. 11,n.º 14.

[31] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 141.

[32] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 83 v.º

[33] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 84.

[34] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 83 v.º

[35] T.T., Most. de Alcobaça. Public. em P.M.H.-L.C. I, p. 703.

[36] T.T., Most. de Alcobaça. Public. em P.M.H.-L.C. I, p. 673.

[37] T.T., Most. de S. Vicente de Fora. Public. em P.M.H.-L.C. I, p. 683-684.

[38] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 33 v.º.

[39] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 61.

[40] T.T., F.A., m. 12, n.º 3, fl. 51.

[41] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 64 v.º; F.V., fl. 74; Gav. 15, m. 6, n.º 12. Veja-se a nota seguinte.

[42] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 13 v.º, Gav. 15, m. 12, n.º 16. Primeira data proposta, em resultado da análise crítica das versões conhecidas: cf. a este propósito o capítulo III da última parte (n.º 2.2).

[43] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 32 e 62-62 v.º.

[44] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 117 v.º.

[45] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 90.

[46] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 27 v.º

[47] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 135.

[48] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 81 v.º-82.

[49] T.T., Ch. D. Dinis, liv. I, fl. 108, F.A., m. 9, n.º 3 (Caminha); Ch. D. Dinis, liv. IV, fl. 91, Gav. 15, m. 3, n.º 12 (Cerveira).

[50] Muñoz y Romero, l. c., p. 222-223 e 224-225.

[51] Idem, ibidem, p. 480-481.

[52] T.T., Ch. D. Af. III, liv. II, fl. 14; F.A., m. 12, n.º 3, fl. 22; Gav. 15, m. 7, n.º 10; Gav. 15, m. 9, n.º 36.

[53] T.T., Ch. D. Af. III, liv. II, fl. 13; Gav. 15, m. 10, n.º 14.

[54] T.T., Ch. D. Af. III, liv. II, fl. 67 v.º.

[55] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 125; Gav. 15, m. 11, n.º 49.

[56] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 29; Gav. 18, m. 3, n.º 20.

[57] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 118 e 126 v.º; F.A., m. 9, n.º 10.

[58] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 118-118 v.º; Gav. 18, m. 3, n.º 19.

[59] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 118 v.º.

[60] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 117 v.º.

[61] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 110.

[62] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 40 v.º; Gav. 15, m. 8, n.º 7.

[63] A.D.B., Liber Fidei, fl. 242-242 v., doc. 897. Transcrito por Avelino de Jesus da Costa, Liber Fidei, Tomo III, Braga, 1990, p.340-341, doc. n.º 897.

[64] T.T., Ch. D. Af. III, liv. II, fl. 16.

[65] António Matos Reis, Origens dos Municípios Portugueses, Lisboa, Livros Horizonte, 1991, p. 222-241, ou, na 2.ª ed., 2002, p. 175-189.

[66] T.T., Ch. D. Af. III, liv. II, fl. 48 v.º.

[67] T.T., Ch. D. Af. III, liv. II, fl. 32.

[68] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 120.

[69] Embora não seja exclusiva, é esta, de facto, a designação que maior número de vezes aparece nas rubricas que antecedem e intitulam os respectivos registos da Chancelaria.

[70] T.T., F.A., m. 9, n.º 3.

[71] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 40-40 v.º.

[72] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 40 v.º; Gav. 15, m. 8, n.º 7.

[73] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 46 e 117.

[74] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 45 v.º.

[75] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 95 e 131.

[76] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 103 v.º

[77] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 111.

[78] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 131.

[79] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 122 v.º-123.

[80] T.T., Ch. D. Af. III, liv. II, fl. 67 v.º. Transcrito no anexo documental (doc. n.º 2).

[81] T.T., Ch. D. Af. III, liv. II, fl. 16; Gav. 15, m. 4, n.º 18.

[82] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 62-62 v.º, 64-64 v.º, 73, 93 v.º-94.

[83] António Matos Reis, Foral de Viana – As negociações de D. Afonso III com o Bispo de Tui e com outros interessados no território do novo município, em «Estudos Regionais» 17 (1996), p. 5-30, e separata, Viana do Castelo, 1997.

[84] Mantém o seu valor  a obra de Virgínia Rau, Feiras Medievais Portuguesas, 2.ª ed., Lisboa, 1983. Para além da análise e da catalogação a que procedeu a autora, que destacou o valor em que a feira era coutada, isto é, a pena aplicada aos que fizessem mal aos feirantes, assim como a isenção de penhora e, em geral, o número dos dias de protecção que lhes eram concedidos, centramos a nossa atenção no alcance territorial e no interesse económico das feiras, a partir do lugar da sua realização e da respectiva periodicidade e duração.

[85] Ao nível do espaço mais central da Península Ibérica, mantém o seu interesse o estudo de Luis García de Valdeavellano, El mercado. Apuntes para su estudio en León y Castella durante la Edad Media,  em “A.H.D.E.”, 8 (1931), 201 ss.; 2.ª ed., Sevilha, 1975.  São de grande importância, para a comparação do fenómeno e conhecimento do seu alcance em toda a Europa, as Actes des XIVes Journées Internationales d’Histoire de l’Abbaye de Flaran, Foyres et Marchés dans les Campagnes de l’Europe médiévale et moderne, Toulouse, Presses Universitaires du Mirail, 1996.

[86] P.M.H. – Inquisitiones, p. 506.

[87] Especialmente quando se fala de certames de curta duração, é difícil distinguir se efectivamente se trata de uma feira ou simplesmente de um mercado local. Essa dúvida ter-se-ia, porém, de prolongar até aos tempos actuais, em que sobrevivem diversas feiras que, apesar de não durarem mais do que um dia, se designaram sempre desse modo. A distinção é mais clara no estrangeiro, designadamente na França e na Espanha, onde, já na documentação da época,  os próprios vocábulos mercado e feira foram usados para designar realidades diferentes. Para Valdeavellano (o. c., p. 57), “El mercado de mayor trascendencia comercial es el que se celebra una, o a lo sumo dos veces al año, en una localidad determinada; es decir, el mercado anual, la feria”. Dada o univocidade do uso da palavra “feira” em Portugal, optamos, neste estudo, por manter essa designação quando utilizada ou sugerida pela documentação. A duração, a periodicidade e até o número de dias pelos quais se estende o encouto ou a protecção concedidos, independentemente do nome, ajudam-nos a compreender a natureza da maior parte destes certames.

[88] Sobre as feiras de Bragança, cf. Maria Helena da  Cruz Coelho, Maria José de Azevedo Santos, Cartas de feira de Bragança: (sécs. XIII-XV) [compil.], Bragança: Câmara Municipal,  1993.

[89] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 96 v.º-97 v.º. Publicado por Virgínia Rau, Feiras Medievais Portuguesas, 2.ª ed., Lisboa, 1983, p. 177-180.

[90] Refira-se o que se disse na nota 87. Cf. Maria  Helena da Cruz Coelho, A feira de Coimbra no contexto das feiras medievais portuguesas. Coimbra, Delegacão do INATEL, 1993. Reed. em Maria  Helena da Cruz Coelho, Ócio e negócio, Coimbra, Delegação do INATEL, 1993, p. 1-45. Inclui a transcrição dos respectivos documentos.

[91] Colonho = carga que um homem ou mulher podia transportar às costas ou à cabeça.