sábado, 30 de outubro de 2021

3.9 – Coimbra, Santarém e Lisboa (1179)

  

   A expansão urbana que alastrou por toda a Europa teve os seus reflexos em Portugal ao longo dos séculos XII e XIII e na sua manifestação tiveram grande importância vários factores como o simples aumento da taxa de natalidade, a deslocação de populações provenientes de outra áreas geográficas, designadamente das terras nortenhas, onde a disponibilidade de terras era menor, mas também do centro da Europa, incluindo guerreiros, mercadores e simples colonos, e moçárabes fugidos dos territórios sob o domínio muçulmano. Os excedentes provenientes da exploração da terra e dos rebanhos, o gradual desenvolvimento dos mesteres e o fluxo de moeda, especialmente da obtida através dos escambos com os habitantes dos territórios muçulmanos ou resultante dos saques com que finalizavam as campanhas militares, propiciaram um dinamismo económico que se reflectiu no desenvolvimento de aglomerados populacionais, no meio dos quais sobressaem Lisboa, Santarém e Coimbra, as três grandes cidades de tradição romana e muçulmana, agora integradas num mundo diferente. Os estatutos que regulavam a vida destes e de outros núcleos urbanos mostravam-se já desfasados em relação às novas realidades.

   1. A questão da prioridade.

   O novo foral outorgado em 1179 a estas cidades – Coimbra[1], Santarém[2] e Lisboa[3] – dá-nos conta da existência de uma sociedade mais diversificada, de uma economia plurifacetada, de uma administração complexa e carecida de normas de orientação e de uma fiscalidade absorvente, orientada para a sustentação de uma máquina administrativa de razoável envergadura, ao mesmo tempo que recolhe elementos que se encontravam dispersos em forais de outros grupos — burgos, cartas da tipologia Numão-Salamanca e Ávila-Évora e sobretudo da tradição de Coimbra, de que o foral de 1179 representa o último estádio na cadeia evolutiva.

   1.1. Coimbra, a que já demos atenção, foi a primeira grande cidade integrada no reino a sul do rio Douro. As Posturas de 1145 pressupunham a animação de um mercado que a enchia de vida. Aí residiu a corte nas primeiras décadas, esteve guardado o tesouro e funcionou a chancelaria real, aí se encontravam e reuniam com os membros da cúria régia os altos funcionários e magnatas, aí nasceu a primeira ordem religiosa portuguesa.

   Deixando para trás Coimbra, definitivamente integrada no território português há muitas décadas, Santarém chegou a ser, em dado momento, a mais importante destas cidades. Mais do que Lisboa, era verdadeiramente Santarém que controlava a passagem do Tejo. Era o porto principal para as embarcações muçulmanas que entravam pela foz do rio e seria também o lugar de passagem dos guerreiros de D. Afonso Henriques, para as suas campanhas no Alentejo. Segundo o escritor muçulmano Al-Himyari, era de facto a “cidade de onde partiam as incursões que infestavam o território muçulmano”[4].

   Lisboa, porém, suplantou-as a todas, especialmente a partir do momento em que, no terceiro quartel do século XII, se tornou a residência mais frequente do monarca e por conseguinte a capital do Reino. A sua fortuna adveio-lhe de ser o porto de mar que controlava a embocadura do Tejo, passagem obrigatória para as embarcações muçulmanas que desejassem subir o rio e aproximar-se de Santarém, e desde que serviu de ponto de apoio aos cruzados ficou vincado o seu carácter de porta do oceano, tanto que, depois das conquistas terrestres, se por um lado era necessário limpar os mares da pirataria muçulmana que tivera o seu principal ninho em Alcácer do Sal, por outro seria através do mar que mais rápidas e eficientes relações se estabeleciam com as povoações do Algarve.

   1.2. A coincidência na data e no teor dos forais de Coimbra, Santarém e Lisboa, outorgados em Maio de 1179, tem levado os estudiosos a questionarem-se sobre a prioridade de algum destes diplomas.

   1.2.1. A prioridade do foral de Santarém, suposta por Alexandre Herculano[5] e posta em dúvida por Gama Barros[6], foi expressamente defendida por Rui de Azevedo, que, no apêndice da colectânea Documentos Medievais Portugueses – Documentos Régios, dedicou um exaustivo estudo aos aspectos de índole diplomática deste problema[7]. Foi principalmente neles que se baseou para reivindicar a precedência cronológica do foral escalabitano, colocando a seguir o de Lisboa e só depois o de Coimbra. As razões que apresentou[8] foram as seguintes:

   a) O texto do preâmbulo, igual nas cartas de Santarém e Lisboa – Ego Alfonsus divino nutu Portugalensium rex corporali labores et pervigili astucia mei et meorum hominum opidum de Sanctaren (civitatem Ulixbone) sarracenis abstuli et eam Dei cultui restitui – só à primeira cidade se adapta com total rigor histórico, uma vez que a cidade de Lisboa foi tomada pela força das armas e não apenas com a colaboração dos seus homens mas também com a dos cruzados;

   b) Uma das cláusulas – Qui etiam aliquem calcaribus percusserit et testimonio bonorum hominum convictus fuerit pectet D.tos solidos – aparece fora do lugar, como se fosse uma adenda, nos forais de Santarém e Lisboa, enquanto no de Coimbra já aparece integrada no texto, o que se adequa a uma redacção em que o copista teria ocasião de corrigir um lapso anterior;

   c) Outra cláusula, cujo teor necessitava de se adaptar às circunstâncias de lugar, diz respeito à isenção de portagens em relação aos produtos agrícolas destinados ao consumo próprio:

     

Moratores Colimbrie qui panem suum vel vinum vel ficcus vel oleum in Sanctaren habuerint vel in aliis locis, et ad Colimbriam illud ad opus sui duxerint et non ad revendendum, non dent inde portagium.

Moratores Ulixbone qui panem suum vel vinum vel ficus vel oleum in Sanctaren habuerint vel in aliis locis, et ad Ulixbonam illud ad opus sui duxerint et non ad revendendum, non dent inde portagium.

Moratores de Sanctaren qui panem suum vel vinum vel ficus vel oleum in Ulixbona habuerint vel in aliis locis, et ad Sanctaren illud ad opus sui duxerint et non ad revendendum, non dent inde portagium.

   Rui de Azevedo observou que era com Santarém que tanto Lisboa como Coimbra alternavam e que “se o texto de Coimbra fosse o arquétipo e por ele se tivessem modelado as cartas de Santarém e Lisboa, deveriam estas cidades alternar com Coimbra na referida disposição, o que não sucede”.

   Para defender a prioridade do foral de Santarém, Rui de Azevedo alegara ainda que a instituição dos alvazis, referidos na documentação, era de origem meridional, e que foi em Santarém, onde na altura da reconquista devia existir uma numerosa população moçárabe, que se introduziu a pluralidade de magistrados, retomando-se o vocábulo alvazil[9] para os designar.

   1.2.2. A prioridade do foral de Coimbra foi defendida por Torquato Soares e Paulo Merêa. Torquato Soares sustentou-a, considerando que foi em data anterior ao foral de 1179 que, por evolução orgânica, apareceu a “magistratura plural dos alvazis, em substituição do judex da carta de 1111”[10]. Posteriormente viria, porém, a aceitar quase na totalidade os argumentos de Rui de Azevedo[11]. Também Paulo Merêa sustentou a precedência de Coimbra, escrevendo que a existência dos alvazis se verificou em Coimbra antes de Santarém e Lisboa e que embora o problema não seja o do nome usado para os designar, ele foi aplicado aos membros de um órgão colectivo que teria amadurecido em Coimbra, entre 1173 e 1179, inicialmente de eleição do próprio concelho, enquanto o judex seria de nomeação régia[12].

   1.2.3. A prioridade do foral de Lisboa teve em Marcelo Caetano o seu principal defensor[13]. Segundo ele, depois da conquista, D. Afonso Henriques viu-se perante a conveniência de dotar de foral as cidades de Santarém e Lisboa. “Nessa altura não se terá pensado, na corte, no caso de Coimbra”. Além dos moçárabes e dos mouros que terão permanecido na cidade após a sua capitulação em regime de deditio, as duas cidades acolheram uma população recente e heterogénea, proveniente do norte, inclusive de Coimbra, que reclamava a definição dos seus direitos e deveres colectivos, que uma boa política devia satisfazer. Na elaboração da carta, especialmente quanto à definição dos direitos reais, terão colaborado os peritos da chancelaria, os quais, entre outras referências, devem ter considerado naturalmente o exemplo do concelho de Coimbra. Só “nessa altura surgiria a ideia de tornar extensivo o foral ao concelho conimbricence”.

   1.2.4. Depois de analisar os vários pontos de vista, Maria Helena da Cruz Coelho confessou que “após a publicação dos Documentos Régios e da crítica diplomática exaustiva do Doutor Rui de Azevedo aos três documentos, ficamos perplexos entre aceitar a precedência do foral de Santarém que teria sido depois copiado nos diplomas de Lisboa e Coimbra, ou continuar a defender a prioridade do foral conimbricense”, mas antes não deixou de observar que o texto “mais correcto do foral de Coimbra, a localidade da emissão do documento e até as anteriores cartas outorgadas a esta cidade, contendo cláusulas afins com as do actual diploma, eram factores que nos inclinariam para a última hipótese” (isto é, para a atribuição de prioridade ao foral de Coimbra)[14].

   1.3. A matéria que se acaba de expor merece algumas considerações. De facto pode ser até que todos os autores referidos tenham alguma razão e que os diferentes pontos de vista se possam congraçar numa última síntese. O entendimento das razões que estão subjacentes às divergências que surgiram entre os estudiosos depende daquilo que entendermos por prioridade, ou, melhor, do tipo de prioridade a que nos referimos, que pode ser de ordem factual ou cronológica, de ordem intencional ou simplesmente diplomática. E pode ser que a prioridade de um dos forais numa dessas perspectivas não exclua, numa perspectiva diferente, a prioridade de outro foral:

   1.3.1. Prioridade cronológica: por vezes, pretende-se saber qual dos diplomas foi redigido em primeiro lugar, tarefa dificultada pela inexistência de qualquer um dos originais. A análise textual poucos dados proporciona, embora tenha influenciado o ponto de vista de Rui de Azevedo. Ora os forais das três cidades, ainda que eventualmente tenham sido escritos em dias diferentes, apresentam-se sem a preocupação de registar qualquer precedência, datados do mesmo ano, do mesmo mês, e do mesmo dia. Certo é que há uma adenda que apenas consta dos forais de Santarém e Lisboa – De navigio vero mando ut alchaide et duo spadelarii et duo pronarii et unus petintal habeant forum militum – que não figura no foral de Coimbra, nem devia figurar no original, e que se justifica com a necessidade de adequar o documento à situação concreta das cidades portuárias do Tejo.

   1.3.2. A prioridade intencional competiria ao documento que tivesse estado em primeiro lugar na mente do outorgante. À falta de argumentos objectivos, poder-se-á afirmar que o primeiro foral deve ter sido aquele cuja necessidade, em determinado momento, mais se fazia sentir. Esta foi a razão fundamental que levou Marcelo Caetano a defender a prioridade do foral de Lisboa, seguindo-se Santarém e só depois Coimbra. Se Coimbra, além das cartas anteriores, tinha o foral de 1111 e as Posturas de 1145, em Santarém ninguém se lembraria já do foral outorgado no longínquo ano de 1085, que apenas se conhece através de uma cópia feita em Coimbra, nem essa carta responderia já às necessidades concretas do dia a dia. Há indícios de que Lisboa já teria tido um foral, baseado no de Coimbra, que serviria de modelo ao de Sintra, como já referimos, mas as convulsões da guerra apagaram qualquer memória a seu respeito. É, por conseguinte, natural que ao findar a oitava década do século XII, especialmente em Lisboa mas também em Santarém, se fizesse sentir a necessidade de uma nova outorga. Aduzem-se por vezes outros argumentos, como o da necessidade de valorizar a cavalaria vilã de Santarém e Lisboa, uma vez que a mais importante linha estratégica passara do Mondego para as margens do Tejo, mas, ao ler os três forais, nada se encontra de especial neste domínio, embora se dê grande atenção à ordem dos guerreiros.

   1.3.3. Para além da prioridade de facto há a que chamaremos prioridade genealógica. Sob esse ponto de vista, os três diplomas representam o último estádio de uma evolução que se foi operando paulatinamente a partir do foral de 1111 e da qual as mais próximas fases anteriores a 1179 se encontram, seguindo uma linha, no foral de Sintra, de 1154, e seguindo outra, na súmula constituída pela junção dos dois forais de Tomar, outorgados em 1162 e 1174. São de facto inegáveis os pontos de contacto destes forais, por um lado, com os documentos da tradição coimbrã, e, por outro, com o diploma de tríplice outorga produzido em 1179.

   Uma das suas cláusulas torna-se esclarecedora, por conter uma referência directa ao velho foral de Coimbra: da madeira transportada por rio, determina-se que “da madeira, de que davam a oitava parte, dêem a décima” – De madeira qui venerit per flumen, unde dabant octavam dent decimam. Ora era precisamente o foral de Coimbra de 1111, não havia muito integralmente reproduzido pelo de Tomar e seus derivados, que estabelecia: “de madeira et de ligna que adducunt pro vendere dent octavam partem”. O redactor tinha diante de si, ou pelo menos muito viva na sua mente, como ponto de referência, uma versão do antigo diploma coimbrão.

   Esse processo de elaboração poderá ter sido responsável pela mais grave lacuna do foral de 1179: as normas relativas às relações com os órgãos da justiça, especialmente sobre a eleição e a actuação dos juízes, desnecessárias para Coimbra, mas de primordial interesse para as outras duas cidades, especialmente para Lisboa, omissão que apenas seria colmatada pela apostilha feita na confirmação do foral em 1204, onde os juízes aparecem designados como alvazis: “Mando etiam ut nec meus pretor ville nec pretor navigiorum nec alvaziles nec aliquis alius audeat afforciare aliquem hominem de concilio de suo vino neque de suo pane neque de suo piscato neque de suis carnibus neque de aliis rebus suis. Adhuc mando ut mei maiordomi non vadant extra villam apprehendere homines negue roubare negue afforciare sed si fecerint calumnias faciant eos vocari per portarium pretoris coram pretore et alvazilibus et sanent eis quod fecerint sicut mandaverint pretor et alvaziles. Et concilium cambiet suos alvaziles annuatim. Mando preterea ut pater non pectet calumpniam pro filio suo sed filius pectet eam si illam fecerit. Et si non habuerint per quod sanet illam per corpus suum sanet eam. Mando etiam de mauris et de iudeis percussis ut veniant se conqueri pretori et alvazilibus sicut fuit consuetudo tempore patris mei. Adhuc mando ut maiordomi non pignorent aliquem hominem donec vocent eum ad concilium coram pretore et alvazilibus[15].

   Em síntese, poderemos concluir que o foral de 1179 é herdeiro e continuador da tradição coimbrã, embora tenha sido elaborado a pensar nas necessidades concretas das cidades ribeirinhas do Tejo, especialmente de Lisboa, mas também de Santarém. O facto de compendiar aquela tradição e de lhe acrescentar um conjunto de normas de âmbito fiscal, de resultados nada menosprezáveis para os cofres da governação, terá determinado a decisão de o aplicar igualmente à cidade de Coimbra.

   2. A organização da cidade.

   2.1. A organização municipal, segundo o foral de 1179, assentava no concelho, cujos pilares eram os homens-bons. Sobre o modo de proceder à escolha dos membros deste concelho, o texto é omisso, talvez porque, tendo em mente a cidade de Coimbra, no momento da sua redacção, o problema se não levantava, uma vez que já há muito tinha sido ultrapassado na tradição municipal da localidade. O diploma de 1179, no âmbito da primeira magistratura municipal, representa, igualmente, uma regressão no processo evolutivo dos forais que foram surgindo sob a influência da tradição coimbrã, especialmente do de Sintra, que determinava claramente “Iudicem et saiom sit ex naturalibus et intret et exeat per manum concilii”. No foral de 1179, não se menciona o juiz e em primeiro plano surge o alcaide ou pretorr[16], não eleito mas nomeado, de entre os moradores, pelo nobis homo ou rico-homem a cujo cargo estivesse a governação militar do território.

   Em documentos posteriores, os membros do concelho virão a chamar-se alvazis, mas, como vimos, esta designação ainda não aparece no foral de 1179. Alvazil era já um dos títulos de autoridade usados pelo conde Sisnando (em simultâneo com o de cônsul, à maneira romana), e em 1111 era com o nome de alvazil que se designava a autoridade máxima da área a sul do rio Douro, no foral de S. Martinho de Mouros. Conforme já referimos, como alvazis são mencionados os membros do grupo de notáveis, D. Mendo, D. Belitto e Cides Fredaliz[17], que Sesnando, que os considerava “meos fideles maiores”, encarregou de fazer as delimitações da herdade de S. Martinho [do] Bispo, doada em 1080 ao abade Pedro, moçárabe fugido de terras sob o domínio muçulmano. Na carta que D. Sancho I, em 1199, dirigiu às autoridades de Lisboa, Santarém e Alenquer[18], a encarregá-las de fazer a demarcação das terras para os colonos francos recém-chegados, dirige-se ao pretor, ao almoxarife, aos alvazis e aos outros homens-bons de Lisboa; aos quatro alvazis, e aos restantes homens-bons de Santarém; e ao pretor, ao juiz e aos restantes homens-bons de Alenquer[19]: nesta carta, aos alvazis de Lisboa e Santarém é atribuída uma posição correspondente à do juiz de Alenquer[20].

   O alcaide e o concelho escolhiam o almotacé, referido nas posturas coimbrãs de 1145, e que, como já determinava o foral de Tomar, devia sair de entre os habitantes do município.

   Outros funcionários ao serviço do município eram o mordomo, o saião e o porteiro do pretor. O mordomo aparece a exercer também funções policiais: recebia queixas, que encaminhava para o concelho, executava penhoras, fazia prisões[21]. Ao saião ficava reservado um papel de subalterno, na dependência do mordomo[22], e, atendendo ao facto de não ser mencionado em relação a Lisboa, na carta de 1204, Marcelo Caetano aventa mesmo a hipótese do desaparecimento desse agente nesta cidade[23]. Em contrapartida, o papel concedido ao pretor na governação da cidade reflecte-se na importância que é dada ao seu porteiro. Os peões, quando necessitassem de recorrer aos serviços do mordomo, para recuperar bens que lhes pertencessem, davam-lhe a décima do que tivessem a receber, mas, se o mordomo se recusasse a desempenhar essa tarefa, o pretor encarregaria o seu porteiro de a executar. Aliás, quando o mordomo ou o saião tivessem de fazer penhoras em casa de cavaleiros (milites), era também obrigatória a presença do porteiro do pretor.

   A condução das milícias concelhias era da competência dos adaís[24], que por isso estavam dispensados do imposto da quinta parte das presas que fizessem nas campanhas militares (non dent quintam de quiniones suorum corporum).

   2.2. A importância atribuída aos corpos de cavalaria é patente no estatuto militar, jurídico e fiscal que lhe reconhecia o foral. Eram classificados como tropa de elite, que tinha a obrigação e o privilégio de combater na vanguarda: os seus cavaleiros (miles) “non teneant zagam in exercitu regis”, isto é, não sejam colocados na rectaguarda, e, mais ainda, como explicita o foral de Santarém (pormenor em que também não podia ser decalcado pelo de Coimbra), “teneant delanteira in exercitu regis”.

   Em compensação, o seu estatuto judicial equiparava-se aos dos infanções, e o mesmo acontecia com o estatuto fiscal, em que lhes eram concedidas todas as isenções, inclusive na velhice ou na invalidez e, após a morte, a favor da sua viúva, enquanto ela mantivesse esse estado. Os cavaleiros podiam até pôr os cavalos a fazer transportes remunerados, sem por isso ficarem sujeitos ao foro de almocrevaria, isto é, sem pagar os correspondentes impostos. O único tributo a que estavam obrigados para com o rei (e do qual, como se viu, estavam isentos os adaís), era o da quinta parte das presas que fizessem em terra de inimigos, integrados numa companhia (cavalgada) de sessenta ou mais cavaleiros pertencente ao exército régio. Em destacamentos inferiores, comandados por um chefe local, em cavalgada de alcaide, apenas dariam a este aquilo que bem entendessem.

   Tal como outrora havia sido estipulado em relação a Coimbra, e se repetia em forais que seguiram a mesma linha, o encargo com a manutenção das atalaias era partilhado entre o rei e os cavaleiros, estes com a sua guarda pessoal, suis corporibus.

   Como incentivo, admitia-se a possibilidade de o cavaleiro receber do rico-homem benefícios, isto é, doações de terras ou bens equivalentes, como contrapartida dos serviços militares, e até se estimulava esse procedimento, ao contar o beneficiado entre o número dos guerreiros que o rico-homem era obrigado a apresentar no exército do rei.

   A seguir aos cavaleiros, o mais importante corpo militar era o dos besteiros, que já terão desempenhado um papel fundamental nas campanhas de D. Afonso Henriques e continuaram a aperfeiçoar-se ao longo da primeira dinastia[25]. O foral reconhece-lhes um estatuto idêntico ao dos cavaleiros: Balistarii habeant forum militum.

   Uma adenda colocada a seguir à subscrição de D. Afonso Henriques, apenas nos forais de Santarém e Lisboa, uma vez que no de Coimbra não teria grande sentido, contém uma disposição relativa à marinha, que em 1179 ainda não estaria no pensamento do legislador, na qual se estipulava que o arrais (alcaide), dois remadores (spadelarii), dois proeiros (pronarii) e um carpinteiro (petintal) de cada navio tivessem foro de cavaleiros.

   Uma cláusula a determinar que os peões não fossem obrigados contra a sua vontade a prestar serviço nos navios foi introduzida, a seguir à subscrição afonsina, no diploma original de Santarém e, ao contrário das anteriores, só depois tornada extensiva ao município de Lisboa. Mas era sobretudo Lisboa que estava vocacionada para se tornar a grande cidade marítima do reino.

   2.3. Se alguma coisa caracterizava a cidade, para além dos arruamentos e do casario, era o movimento das gentes que, para satisfazer as necessidades dos outros habitantes, se entregavam às mais variadas ocupações: os mesteirais, especialmente os ferreiros, os carpinteiros, os conqueiros ou fazedores de vasos de madeira, os sapateiros, os peliteiros, os oleiros e os fabricantes de telha, as regateiras e as padeiras, os mercadores, e, entre uma e outra viagem, os almocreves. Os artesãos, cristãos ou mouros, livres e escravos, trabalhavam na própria casa ou na dos seus amos, ou, quando a não tivessem, nas tendas ou lojas de que o rei era proprietário, pagando a correspondente renda.

   Os mercadores da cidade podiam optar entre o pagamento das portagens ou a liquidação de uma soldada fixa, e os que viessem de fora estavam obrigados ao pagamento das portagens. Continuando uma disposição do antigo foral de Coimbra, o tributo a pagar pelos almocreves consistia no serviço (de transporte) que faziam uma vez por ano.

   No mercado local transaccionavam-se produtos alimentares e artigos de vestuário ou destinados à sua confecção e outros artigos de uso doméstico. Vendiam-se cavalos, éguas, mulas, asnos, bois e vacas, porcos, cabras e carneiros ou ovelhas, pão, vinho[26], linho, figos[27], alhos e cebolas, azeite, sal, pimenta, cera, recipientes de barro e de madeira, couros brancos e vermelhos, peles de coelho, vestidos de pele, panos, inclusive o bragal, artigos de tinturaria (anil e grã), e ainda escravos mouros. Peixeiros de Lisboa ou de fora abasteciam o mercado de peixe, transportado de barco ou ao dorso das bestas, pagando os tributos de judicato e de alcavala ou de alcaidaria.

   Lisboa, Coimbra e Santarém, como outras da mesma época, eram cidades profundamente entrosadas com o mundo rural. Os mais altos funcionários régios eram os proprietários de um bom número das terras que se estendiam à volta. Seguiam-se os militares, os nobres, as ordens religiosas e militares, as igrejas e muitos clérigos. Todos eles gozavam de um estatuto fiscal equivalente ao dos cavaleiros.

   A população ainda era constituída maioritariamente por agricultores. Muitos deles, como rendeiros ou assalariados, cultivavam as herdades dos cavaleiros e dos outros privilegiados; outros cultivavam terras próprias, e, segundo a tradição que já conhecemos de Coimbra, pagavam o tributo de jugada: por cada jugo de bois, um moio de trigo ou de milho, ou de ambos, conforme o cereal cultivado[28].

   Entre os que contribuíam para o abastecimento das cidades, especialmente de Lisboa e de outras situadas mais a sul, contavam-se os mouros forros, que, desde 1170, beneficiavam de um foral próprio que lhes permitia que continuassem a exercer as suas actividades e a cultivar as suas herdades nas redondezas, pagando em troca um morabitino por cabeça, em cada ano, a somar aos impostos de alfitria e azoque, e, em geral, a dízima de todos os rendimentos do trabalho[29], a que se juntava a obrigação de cuidar das vinhas régias, de vender os figos e o azeite do rei[30].

   3. Lisboa.

   A evolução que a cidade de Lisboa irá conhecer nas décadas posteriores ao foral de 1179, especialmente ao longo dos séculos XIII e XXIV, tornará insuficientes as normas contidas neste documento. Algumas situações deviam já ter sido contempladas na data da sua outorga, designadamente as que se referiam a questões de administração e de justiça[31]. Outras resultaram do desenvolvimento que a cidade iria experimentar, à medida que se transformava em grande porto do Atlântico e em capital do reino.

   3.1. A organização administrativa.

   A organização da cidade, recentemente libertada, ressentia-se logo do grande peso da máquina administrativa do poder central, da pouca participação dos cidadãos, na linha da tradição muçulmana, acentuando o papel da autoridade militar, cuja mais alta instância era personificada pelo alcaide, e o poder detido pelo pretor, de nomeação régia.

   Ignoramos tudo acerca do processo inicialmente seguido na eleição dos alvazis e sobre o âmbito concreto da sua actuação no dia a dia.

   Os problemas que se levantaram e a influência dos costumes de outras regiões do país ditarão uma transformação gradual do aparelho administrativo da cidade. Na carta dirigida, em 1204, por D. Sancho I ao Bispo, ao Alcaide, aos alvazis e ao concelho de Lisboa[32], que se iniciava com uma declaração de amor à cidade – non est rex neque princeps in mundo qui magis possit amare aliquod concilium quam ego vos amo neque quorum servitium magis possit gratiscer quam ego uestrum gratiscor quia bene scio quod in omnibus locis ubi ego volui, servistis mihi – para além de disposições destinadas a coibir os abusos de algumas autoridades (os alcaides da cidade e dos navios, os alvazis, os mordomos régios), El-Rei determinou que os alvazis fossem eleitos anualmente pelo concelho e que este tivesse a sua própria almotaçaria e dela dispusesse à sua vontade, o que leva a pensar que estas prerrogativas não estavam ainda em vigor ou tinham sido postas em causa. Tais disposições irão repetir-se numa carta de 1210, conjuntamente com outras sobre o relego, a cobrança da jugada, etc.

   Assinalou-se já como uma adenda introduzida no escatocolo do foral reconhecia a importância dos marinheiros. O movimento portuário justificava a cláusula que permitia o carregamento de barcos com pão, vinho, azeite e outras vitualhas para qualquer destino menos para fora do reino[33].

   3.2. Conflitos locais.

   A sociedade lisboeta apresentava-se com uma composição heterogénea, em que, além dos cristãos, existiam importantes comunidades de mouros e de judeus. Estas comunidades dispunham de um foro judicial próprio. Para evitar as arbitrariedades, nas causas em que uma das partes fosse moura e outra cristã, D. Afonso III determinou que as causas judiciais seguissem o foro do réu[34]: quando este fosse cristão, seria julgado no tribunal do concelho; quando fosse mouro, seria julgado perante o juiz da sua comunidade.

   A lei de 1264 procurou definir claramente as funções dos alcaides, obrigando-os a respeitar as dos alvazis e impedindo-os de exercer qualquer espécie de pressão ou de influência nas eleições destes e dos almotacés[35].

   A fixação da corte em Lisboa daria ocasião ao choque de interesses entre a administração régia e a administração municipal. Os conflitos registados por volta de 1285 repetem uma situação que já terá ocorrido em 1273, com D. Afonso III, e tiveram por objecto a ocupação de terrenos públicos e privados, para a construção de açougues e mercados, relacionada com a mudança da feira semanal para as casas contíguas à alcáçova, por cuja utilização o monarca cobrava renda. D. Dinis, que pouco antes, em 1281, obtivera a colaboração das hostes municipais de Lisboa e de outros concelhos para conter a rebeldia do seu irmão D. Afonso, conseguiu restabelecer, numa assembleia muito participada, o bom entendimento com a cidade, prometendo respeitar daí para a frente todos os direitos do município[36]. A admissão de uma representação oficial dos mesteirais – dois homens-bons por cada mester – nestas assembleias, embora introduzida por iniciativa do próprio rei, correspondia ao reconhecimento da importância crescente que eles tinham na vida da cidade, mas acabaria por ser limitada a ocasiões excepcionais.

   Os marinheiros, colocados sob a dependência do alcaide do mar, estavam imunes da jurisdição do concelho. Em 1282 era de 96 o número dos que não podiam ser chamados perante o juiz do concelho senão através do alcaide do mar. Em 1298 o Rei confirmou os foros dos alcaides, arrais e petintais das suas galés, eximindo-os de serem citados perante as autoridades concelhias “e aqueles que contra eles entenderem a haver algum direito tanto por razão de dívidas como doutras cousas chamem-nos perante o seu almirante ou perante o seu alcaide do mar, e o dito almirante e o dito alcaide façam deles haver comprimento do direito àqueles que os demandarem perante eles e mando que doutra maneira ninguém vá contra eles, nem lhes faça mal nem força[37]. Após a criação do cargo de almirante, em 1317, os marinheiros foram colocados sob a sua “jurisdição e poder”. Tendo surgido um conflito entre o Almirante e o Alcaide-mor de Lisboa por causa das respectivas jurisdições, D. Dinis emitiu, em 1325, uma carta segundo a qual competia ao Almirante ou ao Alcaide do mar o julgamento de todas as questões que não caíssem sob o foro criminal; ao Alcaide e aos Alvazis do concelho competia o julgamento dos feitos crimes, podendo nestes casos ordenar a prisão dos marinheiros responsáveis, e, mesmo assim, quando o crime não ultrapassasse os ferimentos, logo que os agredidos estivessem sãos e livres de perigo, deviam soltá-los com a fiança do Almirante[38].

   No interior da cidade, em maré de expansão urbana, o corpo dos funcionários régios, assim como o dos que exerciam o poder municipal, era progressivamente engrossado. Em 1295, uma lei de D. Dinis determinava que o concelho elegesse por ano quatro alvazis: dois, os alvazis dos ovençais e dos judeus, para julgar das contendas entre judeus e cristãos e dos pleitos com os ovençais do rei[39]; outros dois, os alvazis gerais ou dos gerais, para se ocuparem das restantes contendas. Em 1299, para aliviar a sobrecarga de trabalho dos gerais, era criado mais um par de alvazis – os juízes dos órfãos – com o seu próprio escrivão[40].

   Os almotacés, em número de vinte e quatro, repartiam-se em grupos de dois, que exerciam as suas funções durante um mês, a começar pelos alvazis do ano anterior.

   A partir de 1296, temos notícia da existência do procurador do concelho, eleito pela assembleia dos homens-bons, para representar o município nos negócios a tratar na corte ou noutras instâncias, defender os seus interesses nos tribunais e fora deles, e velar pelo respectivo património.

   Aos cargos do almoxarife da corte e aos seus escrivães correspondiam, a nível do município, os de tesoureiro do concelho e o de escrivão, que em Lisboa já existiam antes de 1313, assim como os de contador, que examinavam as contas no fim do ano e fiscalizavam a administração dos recursos do município. O município dispunha de tabeliães próprios, que registavam a notícia dos actos oficiais e lavravam as escrituras. Os funcionários de mais baixo escalão eram os porteiros do concelho, que, segundo parece, acumulavam essas funções com as de pregoeiros[41].

   3.3. Uma época de crise.

   Ao aumento do número de funcionários correspondia também o dos respectivos abusos. Nas Cortes de 1331, o município de Lisboa queixava-se do alcaide e dos mordomos régios. A estas cortes, convocadas por D. Afonso IV, seguiu-se a publicação do Regimento dos Corregedores, a cuja primeira versão, de 1332, se seguiria outra, em 1340. Os corregedores deviam ocupar-se de tarefas anteriormente desempenhadas pelos meirinhos e de outras, tendo como principal encargo o de velar pelo bom desempenho das autoridades concelhias e dos órgãos de justiça locais, pelo respeito dos direitos dos cidadãos e pela defesa dos interesses do Rei.

   Marcelo Caetano alvitrou que terá sido por influência do Regimento dos Corregedores que surgiram os vereadores, cuja importância se tornará cada vez maior nos concelhos[42]. De facto encontramos referências aos vereadores na documentação das chancelarias régias relativa aos municípios a partir de 1338, multiplicando-se essas referências a partir de 1366. O primeiro documento em que nos aparecem vereadores citados por nome, no exercício do seu cargo, é uma procuração do concelho de Setúbal, datada de 25 de Março de 1340 e incluída num acordo entre o concelho e a Ordem de Santiago, do ano seguinte[43].

   Já em 1339, o Rei tinha nomeado juízes para a cidade de Lisboa, que se intitulavam “juizes por el rei”, ou, na voz do monarca, “juizes por mim em Lisboa”[44]. A seguir à peste de 1348, El-Rei decidiu nomear “juizes de fora parte” para um número não conhecido de concelhos, cuja principal tarefa era o cumprimento da legislação régia sobre os testamentos. Perante as reclamações dos concelhos, o monarca comprometeu-se a fazer da nomeação dos juízes de fora uma medida excepcional e transitória, que apesar de tudo se foi mantendo indefinidamente. Nas cortes realizadas no Porto, em 1372, os representantes dos concelhos voltarão a queixar-se de que o rei nomeava “juizes e regedores” para os concelhos, pagos com as receitas dos municípios.

   Parece que a partir desta data, se não antes, a Câmara de Lisboa dispunha de um edifício próprio, em que se faziam as sessões, nas quais a participação dos cidadãos era cada vez mais reduzida. A reunião em que, no dia 4 de Agosto de 1383, os representantes do concelho elegeram os procuradores para jurarem o contrato de casamento de D. João I de Castela com D. Beatriz decorreu na câmara, isto é na sala do concelho, pois já não precisava de se realizar num espaço tão amplo como a catedral, onde teve lugar a assembleia de 1285, porque dela estava arredada a maioria dos habitantes, embora ainda estivessem presentes muitos, não sabemos quantos, homens-bons[45]. O povo achava-se cada vez mais descrente nas capacidades das autoridades municipais, progressivamente dependentes de um poder central que se afundava numa grande crise. Em 1372, em Tomar, Abrantes e Lisboa[46], os mais corajosos pagaram bem cara a sua rebelião por causa do casamento do Rei com D. Leonor Teles. Mas não foi ao concelho que se dirigiram: em Lisboa, segundo o testemunho de Fernão Lopes, “mesteirais de todos os mesteres e besteiros e homens de pé” reuniram-se no alpendre do mosteiro de S. Domingos e elegeram Fernão Vasques “por seu capitam e propoedor”[47].

   3.4. A periferia.

   As circunstâncias em que a cidade de Lisboa foi reconquistada fizeram com que uma grande extensão da propriedade agrária ao seu redor ficasse nas mãos da coroa. Havia muitos reguengos na periferia de Lisboa, habitados por agricultores que dependiam do Rei, através dos seus vigários e/ou mordomos, a que pagavam diversas prestações e tributos. Tal como na cidade, o número dos habitantes desses reguengos aumentava com a passagem do tempo, e esse fenómeno irá despertar e acentuar a consciência do seu valor como comunidade e criar, sobretudo no âmbito da justiça, a necessidade de uma administração mais próxima e mesmo própria.

   Temos notícias do caminho percorrido por alguns desses reguengos no sentido da organização municipal, através da obtenção de uma autonomia progressiva. Uma carta régia de 1314 dispunha que os moradores dos reguengos de Ribamar[48], concretamente os de Oeiras e Algés, reunissem o seu concelho e procedessem à eleição anual do seu juiz, cuja jurisdição no entanto ficava limitada aos feitos civis, enquanto o vigário ou mordomo, naturalmente por se tratar de um reguengo, continuava a ser de nomeação régia[49], mas apenas até 1318, em que passou a ser igualmente de eleição anual[50].

   Do lado oposto, isto é, a leste da cidade, ficavam os reguengos de Sacavém e Frielas, que em 1285 já elegiam os próprios alvazis[51].

   O que se verificava em relação aos reguengos aplicava-se também aos domínios privados de maior extensão. Em 1258, o convento de S. Vicente de Fora dava uma carta de foro aos moradores da Charneca de S. Julião do Tojal, na qual o abade se reservava o direito de nomear o juiz[52].

   4. Santarém.

   A importância de que Santarém desfrutou ao longo dos séculos XII e XIII advinha-lhe da centralidade geográfica em relação a todo o território português e ao facto de ser o melhor e mais acessível ponto de travessia do rio Tejo e de ligação entre as duas margens e, por conseguinte, entre o norte e o sul do mesmo território; era ainda, na Idade Média, um movimentado porto fluvial, pela sua localização no interior, mas também como ponto de partida de viagens que iam para além da foz do Tejo. A isso ajuntava-se a fertilidade das terras das redondezas já proverbial nos tempos muçulmanos: o trigo e a cevada estavam geralmente maduros quarenta dias depois de semeados, os melões chegavam a atingir três e mais palmos de circunferência![53]. Era a povoação “mais formidável e mais florescente entre as que possuía o filho de Henrique[54], e a que tinha mais numerosa guarnição e melhor municiamento”, no dizer de um cronista árabe, que juntou a observação de que “os arredores da cidade eram bem cultivados e estava rodeada por árvores frondosas e jardins contíguos onde os frutos amadureciam” e se lhes seguiam vinhedos e pomares[55].

   Na resposta aos agravos apresentados pelo concelho de Santarém nas Cortes de 1289, refere-se o transporte de mercadorias de Santarém para além-mar ou para Sevilha, para o Algarve, concretamente para Alvor, e para França[56]. O movimento comercial que esse documento atesta proporcionou o enriquecimento e a prosperidade da cidade.

   4.1. As boas relações com o monarca.

   Quando D. Dinis, ainda infante, foi a Sevilha, ao serviço de seu pai, o concelho de Santarém emprestou dez mil libras para o financiamento da campanha, e em 1289 perdoou-lhe toda a dívida[57]. A generosidade do concelho destinava-se a manifestar a gratidão dos munícipes pela resposta favorável que, já como rei, D. Dinis tinha dado aos agravos do concelho, que presumimos serem os apresentados nas cortes reunidas nessa data e registados no documento já mencionado. As boas relações entre o monarca e o concelho não terminavam aí, pois, no mesmo ano de 1289, um dos alvazis escalabitanos partira em ajuda do rei de Castela, ao serviço de D. Dinis[58]. Tempos depois, em 1294, numa assembleia bastante concorrida, o concelho doava ao monarca, não sabemos com que contrapartida[59], o paul de Magos[60]. D. Dinis estava empenhado num amplo programa de fomento agrícola, que tinha por cenário as lezírias do Tejo. Por trás desse empenho devia estar o abastecimento de Lisboa e do Algarve.

   O concelho de Santarém emitia, em 1306, uma carta em que doava à coroa todos os direitos que eventualmente tivesse sobre as lezírias localizadas entre Santarém e Lisboa[61]. O teor genérico do documento foi motivado pelas dúvidas acerca da posse de algumas dessas lezírias. Embora o concelho prescindisse dos seus direitos a favor do Rei, designadamente nas lezírias de Ferreira e de Atalaia, o certo é que havia mais entidades que desejavam valer–se de alguns direitos, como o mosteiro de S. Martinho de Crasto[62] e o Arcediago de Viseu[63], a quem o concelho arrendou a da Atalaia, em Janeiro de 1306[64].

   A importância reconhecida a Santarém estava em consonância com a decisão que D. Dinis tomou em 1302 de criar aí uma feira anual com a duração de trinta dias, a iniciar-se no dia 11 de Julho. A referência era a festa de Santiago: a feira, de grande interesse para o escoamento dos excedentes da produção agrícola, começaria quinze dias antes e encerraria quinze dias depois[65].

   Quinze anos passados, D. Dinis resolveu criar uma nova feira anual, ou transformar a já existente, a realizar-se ao longo de dois meses (a única do país com esta duração) e a começar no dia 1 de Abril para terminar no primeiro de Junho[66]. É também a primeira vez em que na história de Portugal encontramos referências à construção de uns alpendres, feita por conta dos munícipes, para dar apoio a uma feira[67]. Mas o certo é que a feira não vingou, acabando por ser suprimida em Janeiro de 1321, provavelmente pela diminuta afluência de participantes[68]. Por trás desse fracasso está o facto de que “essa villa nom he em comarca d’algãas terras do meu senhorio e doutros logares que hy possam vyr aquelas cousas que conprem de vyr aa feira franquiada”. Ao que parece, Santarém encontrava-se estrangulada entre os domínios agrários das ordens religiosas e militares. Esse facto impedia os caminhos de aquém e além Tejo de conduzir livremente os feirantes a Santarém, para que a cidade continuasse ou voltasse a ser um grande centro económico.

   4.2. As dificuldades internas e a crise geral.

   Não era esse o único tipo de estrangulamento que afectava os moradores de Santarém. Em 1309, o concelho queixava-se contra o alcaide, que prendia os moradores, os punha em ferros e lhes cobrava multas injustificadas, contrariando as disposições de uma carta régia, segundo a qual só poderiam ser entregues ao alcaide pelos alvazis. Esta queixa foi objecto de contestação por parte dos procuradores régios, que alegavam o facto de muitos se furtarem ao pagamento dos direitos de El-Rei, designadamente das portagens, cujo elenco constitui aliás uma valiosa informação sobre a economia local e a fiscalidade que a sobrecarregava[69].

   Apesar de tudo, não rareavam os que chegavam de outras terras – de Lisboa, do Porto e de mais lugares – e se faziam passar por vizinhos para fruir das correspondentes regalias fiscais, inclusive da isenção de portagens, sem possuírem casa na cidade e sem aí residirem sequer os três meses que eram da norma. Em face desta situação, El-Rei nomeou uma comissão mista, composta pelos alvazis locais e pelos almoxarifes régios ou por quem fizesse as suas vezes, para analisar caso a caso e aplicar as regras da justiça aos que estivessem a agir com dolo[70].

   Em Julho de 1337, D. Afonso IV dirigiu uma carta aos “veedores e corregedores e vereadores da vila de Sanctarem” a aprovar a “ordinhaçom” ou código de posturas que os mesmos tinham elaborado e a mandar “ao dicto Alcayde e Alvaziis e a outra qualquer justiça que hy por mim estê” que a fizessem respeitar[71]. Esta postura veio, porém, a ser contestada localmente, sendo a matéria novamente objecto de análise na corte, conforme dá conta outra carta enviada, no mesmo ano, ao alcaide, aos alvazis e ao concelho de Santarém[72].

   Pela mesma data surgiu um conflito com os judeus, por o concelho lhes cobrar sisa dos empréstimos que faziam aos cristãos, do vinho e das outras coisas que vendiam e compravam entre si, da qual tinham sido dispensados, como contrapartida de outros serviços que prestavam aos monarcas[73].

   A crise que afectava a cidade na primeira metade do século XIV acentuou-se com a mortandade provocada pela peste de 1348. Numa carta datada de 1358, D. Pedro I, a rogo do concelho de Santarém, proibiu que qualquer barca carregasse ou descarregasse em Punhete[74], com excepção dos bens que pertencessem aos moradores ou fossem necessários para o seu mantimento, e estabeleceu mesmo que nenhuma embarcação passasse de Santarém para montante, a não ser com panos ou com alimentos estritamente necessários, e tudo isso para obrigar a que as cargas e descargas se fizessem em Santarém “pera se pobrar milhor a dicta villa”, que, diz o Rei, “hé huum dos boons e dos milhores lugares do meu senhorio e está muy despobrado de campanhas e do que lhe compre pera meu serviço e está em ponto de o ser mais ao diante se hi outro remedio nom chegar”[75].

   Os problemas demográficos não impediram que, em 1358 ou 1359, a requisição de D. Pedro, as hostes municipais de Santarém fossem guardar a orla costeira em Atouguia[76], com o intento de prevenir qualquer eventualidade, no âmbito da aliança que o monarca português fizera com Pedro-o-Cruel de Castela, em guerra com o rei de Aragão.

   Uma carta de 1364 revela-nos, no entanto, a perturbação que as dificuldades conjunturais, especialmente a crise demográfica motivada pelas epidemias, espalharam no concelho de Santarém. D. Pedro começa por relatar a situação, tal como lha expuseram os moradores à sua chegada. Santarém era (ou melhor, fora noutros tempos) uma das cidades com maior abundância e com melhor abastecimento de pão e vinho e de todos os alimentos, como cumpria a uma povoação onde os reis estabeleciam a sua morada por longos tempos, mas agora minguava o pão, o vinho, a cevada e até a palha para sustento das bestas. Tudo isso acontecia porque as herdades, as vinhas e outros bens não eram devidamente cuidados e trabalhados. Muitos serviçais recusavam-se a trabalhar, porque lhes não davam o salário que pretendiam. Havia senhores que não tinham as abegoarias suficientemente providas de bois e de mancebos. Na cidade, muitas casas estavam derribadas e ao abandono, porque os seus proprietários – cavaleiros, membros das ordens militares, abades, priores e raçoeiros das igrejas e outros privilegiados – preferiam hospedar-se nas pousadas alheias, com elevado gravame para os seus donos, a quem não pagavam. Sucedia também que os funcionários e contratados do concelho – rendeiros da almotaçaria, das fangas, dos olivais, dos tributos sobre os vinhos, o verde e o seco, e sobre as matas – não respeitavam nem faziam respeitar as posturas do concelho. Do mesmo modo, os funcionários régios – mordomos, cobradores do relego, das jugadas, dos quintos, das portagens e outros – cobravam importâncias exorbitantes e faziam outros malefícios.

   Depois de solicitar que o concelho lhe apresentasse uma proposta escrita sobre o assunto, El-Rei promulgou um conjunto de medidas destinadas a dar remédio à situação[77]. Não sabemos se todas essas medidas foram levadas em conta, pois alguns dos problemas resultavam de uma situação cada vez mais difícil de resolver, sobretudo por causa do agravamento da crise demográfica, que se vinha acentuando com as epidemias de 1348, 1356 e 1361, a que se seguiria, no ano posterior ao deste documento, isto é, em 1365, um novo surto de peste. É esclarecedor o documento do mesmo ano, em que, por solicitação dos moradores, o monarca proibiu a comercialização de vinho de fora da terra antes do dia de Santa Maria de Agosto. Nele se dizia que os vinhos, que se produziam em abundância e eram “dos milhores que [h]á na minha terra” constituíam a maior fonte de riqueza local, com que “mantinhades vossas fazendas e cavallos e armas pera meu serviço”; mas agora traziam-se vinhos de fora para aí vender, o que se tornava mais gravoso “porque a companha era pouca na terra pollas pestilências que Deus dera no mundo pollos nossos pecados”[78].

   Tal como sucedia noutras localidades, já no reinado de D. Fernando, se procurou reduzir o despovoamento da alcáçova, concedendo privilégios aos que morassem no seu interior[79].

   Como se não bastassem os problemas que em Santarém e no resto do país se viviam, chegaria também a guerra em que o monarca envolveu o reino[80]. Para compensar as hostes municipais pelos serviços nela prestados, D. Fernando, em 1373, concedeu-lhes a isenção de fintas e talhas[81].

   4.3. As restrições da autonomia.

   Ao encerrar o período histórico correspondente à primeira dinastia, a acta da eleição dos procuradores que deviam jurar o contrato de casamento de D. João de Castela com a infanta D. Beatriz, proporciona, no caso concreto de Santarém, uma interessante panorâmica sobre a confusão entre os interesses régios e os interesses municipais, patente na qualidade e na representatividade dos cidadãos que tomaram parte na assembleia concelhia[82].

   Na assembleia, realizada no claustro do mosteiro de S. Francisco, que parece ter sido uma das mais concorridas entre as homólogas do país, e, aliás, se desdobrou em duas sessões, estiveram presentes setenta e sete pessoas referidas pelo nome, a que se somaram “todollos hom‘es bõos do dito conçelho e de seu termho”; como nem todos puderam responder à primeira chamada, realizou-se uma segunda reunião, registando-se trinta e três presenças na primeira sessão e cinquenta e quatro na segunda, devendo descontar-se os dez cidadãos que compareceram nas duas. As estruturas municipais estiveram representadas por quatro alvazis (dois do cível e dois do crime), seis vereadores, três procuradores do concelho e um com a dupla função de procurador e tesoureiro, e ainda um escrivão e tabelião do concelho (que, no entanto, se diz dado pelo rei). Sem pertencerem às estruturas do concelho encontravam-se presentes o alcaide, um almoxarife, dois corregedores (um de Santarém e outro da comarca da Estremadura), três escrivães (respectivamente, de El-Rei, do almoxarifado e do mordomado), seis tabeliães, um ex-almoxarife e um ex-meirinho. Quanto às categorias sociais e às profissões dos que acabamos de referir, sabemos que era cavaleiro um dos alvazis do cível, escudeiro o escrivão de El-Rei e mercador um dos vereadores. Acerca de vinte e dois dos presentes não é fornecida qualquer outra indicação além do nome, enquanto no número dos outros vinte e três há um clérigo, dez escudeiros, seis mercadores, um ourives, três “curteleiros”, um “merceiro” e um “soldom”. De tudo quanto acabamos de referir, se pode concluir da influência que tinham dentro do concelho, embora não pertencessem à sua estrutura, os funcionários régios, os escudeiros e os mercadores, embora não seja de desprezar a capacidade de iniciativa dos anónimos homens-bons.

   5. Coimbra

   As relações de D. Afonso III com o concelho de Coimbra, no início do reinado, foram afectadas pela obrigatoriedade de pagar uma renda ao rei para dispor da alcaidaria, mas em boa altura, no mês de Fevereiro de 1261, o monarca decidiu prescindir dessa receita e considerar sem efeito a carta em que o concelho assumia tal compromisso, repondo os “bons foros” do tempo de seu pai[83].

   5.1. A importância das feiras.

   Anos depois, a boa colaboração entre o monarca e os conimbricenses traduziu-se no assentimento dado pelo concelho, em 25 de Janeiro de 1269, a que o rei aí criasse uma feira semanal, elaborando até um regulamento pelo qual a mesma se devia orientar[84]. Este documento merece a nossa atenção, como o mais antigo testemunho sobre o ambiente e o movimento de uma feira destinada ao abastecimento local.

   Em primeiro lugar, o concelho manifestava ao Rei o seu agrado pela criação da feira, que se realizaria na almedina, e das respectivas estruturas de apoio, a saber, açougues, fangas e alfândegas com a sua estalagem, aqui entendida como o local destinado a guardar os animais de carga.

   As mercadorias deviam ser descarregadas e depositadas nas alfândegas do Rei e as bestas usadas no transporte pousariam na “estalaria” régia, excepção feita para os moradores de Coimbra, que utilizariam para esse efeito as suas próprias casas, e para aqueles que estivessem de passagem e não vendessem aí mercadorias nem permanecessem na cidade mais do que um dia. Pela recolha dos animais na estalagem, de cada besta muar ou cavalar os feirantes pagariam um dinheiro pelo dia e outro pela noite; por cada asno, um mealha pelo dia e outra pela noite.

   As taxas cobradas eram do Rei, e apenas um sexto do valor das coimas aplicadas aos transgressores de algumas normas revertia a favor do alcaide. Os pesos e as medidas a utilizar pelos feirantes seriam disponibilizados nas ditas alfândegas. As tendas que o Rei tinha para alugar aos feirantes deviam ser apregoadas todos os anos, quinze dias antes do S. Miguel, em Setembro, e só depois se poderiam arrendar as outras.

   Sapatos, panos, excepto os de cor pertencentes aos moradores da cidade, peles, mantas, feltros, e toda a outra liteira ou passamanaria, só podiam ser vendidos na feira.

   Da obrigação de usar as alfândegas e os açougues do Rei para fazer as transacções, assim como da tributação, ficavam isentos os habitantes da cidade que vendessem artigos da sua própria produção: vinho, frutas, mel, azeite, panos de cor e possivelmente os cereais. As regateiras que tivessem casa sua podiam vender aí azeite, mel, vinagre, castanhas, nozes, cominhos, pimenta, açafrão, ovos, alhos e cebolas, a dinheiradas e mealhadas, sem pagar tributo. Em relação aos outros feirantes adoptavam-se dois sistemas, conforme os produtos ou actividades: uma taxa correspondente aos produtos vendidos ou uma quantia fixa pela permanência na feira.

   Em Abril de 1291, o concelho de Coimbra seria ainda o destinatário de uma carta de graça de D. Dinis, com várias disposições sobre a venda de produtos – frutos, versas, peixe, vinho –, sobre o local, no açougue ou fora, onde se devia proceder às transacções, e sobre os tributos a cobrar ou não, pelos porteiros, almotacés e outros[85].

   Já se mencionou a feira semanal que se fazia na cidade, todas as segundas-feiras, desde 1269. Em 1377, D. Fernando criou uma feira franca anual, com a duração de um mês[86]. Coimbra juntava-se desse modo ao grupo de sete localidades em que se realizavam as mais importantes feiras do país, todas anuais e com a duração de trinta dias: Gaia, Torre de Moncorvo, Lamego, Torres Vedras, Santarém, Beja, Ourique, a que, ainda antes de terminar a primeira dinastia, se acrescentaria a de Bragança.

   5.2. O ordenamento urbano.

   Em 1312, o município, em conjunto com o rei, estava empenhado na obra da nova ponte de Ceira e da estrada de Alcaz, o que deu ocasião a um conflito entre os homens de Taveiro e o concelho de Coimbra: um alvazil prendeu o juiz da aldeia e três outros moradores de Taveiro, couto do mosteiro de Santa Cruz, acusando-os de terem ferido o porteiro e o escrivão do concelho, quando estes aí foram cobrar penhoras[87].

   Uma carta de Julho de 1377, com a resposta de D. Fernando a uma mensagem que o concelho lhe fez chegar através do seu procurador, dava conta de uma série de preocupações a que não faltava uma vertente urbanística[88]. Para “a dita cidade ser melhor pobrada e mais honrrada e mais nobre”, a primeira referia-se à via que atravessava a cidade, dando continuidade à estrada que lhe facultava o acesso: “que o caminho da ponte corresse geeralmente per a porta d’ almedina e da porta d’ almedina corresse per a cerca desa cidade per a porta do castello e da porta do castello corresse pera Ribella e per esse caminho se corressem per tras a torre do mosteiro de Sancta Cruz E dhi endiante per monte Royo assi como vay sair per cima dos paaços e da gafaria e dhi endiante per sob onde esta a forca assy como se vay sair aa ponte da auga demais dhi endiante pellas stradas derreitas”. Por esta via deviam atravessar a cidade todos os que viajavam entre o sul e o norte, o nascente e o poente: “que outrossy os caminhantes viesem pella strada de contra viseu e do porto e de leirea e de figueiroo e de sanctarem que se nom fossem caminho de monte moor o velho nem de tentugal nem pasasem per o caminho de buarcos se nam tam sollamente todos fossem per caminnho da cerca da dicta cidade”. Os moradores deviam ter a possibilidade de sair e de entrar a qualquer hora na cidade: “que a porta nova dessa cidade ficase aberta pera servidam dos moradores dessa cidade porque era cousa que se nom podia scusar”.

   O abastecimento de água foi sempre uma das principais preocupações de quem governa as cidades e também aqui estava presente: “que outrossy a agoa de samsam fosse buscada no lugar hu nace e ha fizesem hir ao chafariz que sta fecto em Ribella por que era no caminho e proveitosa pera os caminhantes e moradores na dicta cerca”. O monarca introduziu apenas uma restrição: “com entendimento que nom seia por ello fecto prejuizo ao mosteiro de sancta crus dessa cidade”.

   A travessia dos viandantes em Coimbra supunha a existência de estalagens para os acolher e abrigar durante a noite. Essas estalagens deveriam localizar-se no exterior das muralhas: “outrossy que as stalageens fossem pobradas no arravalde a par da sam bertolameu e a par de santiago”.

   A essas propostas, que o monarca acolheu favoravelmente, somavam-se outras que podemos encarar como meios de compensar os moradores pelo esforço que estavam a fazer: isenções e franquias em todo o reino, idênticas às dos moradores da cerca de Guimarães; prorrogação por mais um ano do prazo concedido aos que eram obrigados a ter cavalo.

   Prosseguiram na mesma linha alguns documentos datados do ano seguinte (1378) e destinados a incentivar a instalação de novos moradores no interior das muralhas, que iam desde a doação a um particular de um terreno confinante com o adro da Sé e com as casas do concelho, na condição de que ele aí edificasse a sua habitação[89], à atribuição gratuita às gentes que viviam no arrabalde de terrenos do rei (sesmarias) situados dentro da cerca, para que aí construíssem as suas casas[90], e à autorização para que o concelho fizesse o mesmo com os chãos maninhos que lá existiam[91].

   5.3. Os reflexos da crise.

   Os moradores da cerca de Coimbra contam-se entre os que beneficiaram de privilégios concedidos por D. Fernando, com o fim de incentivar a fixação no interior, porque o seu número tinha baixado, no contexto mais vasto dos problemas demográficos que afectaram o país e de um modo especial as cidades, ao longo do século XIII. De acordo com a carta régia de 1370, eram escusados dos serviços do concelho da cidade, isto é, de irem com presos ou com dinheiros de uma vila a outra, de guardarem presos em igrejas ou outros lugares; eram dispensados de pagar em fintas, talhas e “aduas”; não podiam ser constrangidos a servir de juradores ou de tutores de quaisquer pessoas ou de jurados; ser-lhes-iam atribuídos, e não aos de fora, os ofícios do concelho; ser-lhes-iam dados a eles primeiramente os mancebos e serviçais, que deviam ir à porta principal da dita cerca para aí os acharem aqueles que deles houvessem mister; nenhum membro da família real nem poderoso podia exigir pousada dentro da cerca; ninguém podia filhar as bestas aos almocreves que aí morassem; e todas as viandas que viessem para se vender seriam levadas aos açougues localizados dentro da cerca[92].

   Os moradores da cerca continuariam a ser beneficiados com privilégios nos anos seguintes: em 1372 obteriam a dispensa de ter cavalos[93] e de pagar almotaçaria, em relação a todos os artigos que vendessem no interior[94]. No ano imediato repetia-se a concessão da prioridade na contratação dos mancebos necessários para o trabalho[95].

   O concelho de Coimbra foi o primeiro de seis destinatários de uma carta emitida por D. Fernando em 1372, a esclarecer a situação das terras que tinham sido objecto de doações a diversos fidalgos, devido às prepotências que por estes estavam a ser cometidas[96]. Dando razão às reclamações que lhe foram dirigidas, El-Rei estipulou os limites em que se deviam mover os beneficiários dessas doações[97]: os termos das vilas e cidades manter-se-iam como eram anteriormente; os fidalgos donatários exerceriam apenas a jurisdição civil, devendo os moradores eleger em cada ano dois juízes, um para o crime e outro para o cível, sendo o primeiro submetido à confirmação de El-Rei e o segundo à do donatário; a este recorrer-se-ia em apelo de primeira instância e dele para o monarca; os fidalgos beneficiários das doações receberiam das terras apenas as rendas que caberiam ao rei e não podiam lançar fintas, talhas ou pedidos, nem exercer qualquer outra jurisdição ou forma de prepotência; as vilas e cidades continuariam a pôr almotacés e jurados e a fazer posturas e ordenações como entendessem, desde que não diminuíssem as rendas mencionadas; continuar-se-ia a proceder como antes em relação à adua e à manutenção e vigilância dos muros das localidades.

  Os fidalgos que beneficiaram das doações feitas perdulariamente por El-Rei não eram os únicos a motivar o descontentamento dos concelhos. Em cortes e fora delas, ergueram-se queixas, com frequência veementes, contra as extorsões e abusos dos funcionários do poder central. Para tranquilizar os munícipes – e esta cidade não foi um caso único – D. Fernando teve até de ordenar aos seus galinheiros e estribeiros que deixassem de se atafulhar com as galinhas, palhas, lenhas, viandas e outros bens dos moradores[98].

  Agradecido, D. Fernando lembrou a colaboração que os moradores da almedina lhe dispensaram na guerra contra D. Henrique de Castela, em 1373, e “por seer exemplo pera sempre aos outros concelhos”, isentava-os de fintas, de talhas, de peitas, de ir em hoste, em fossado, a fronteira, por mar ou por terra, salvo “com o nosso corpo”, com excepção daqueles que fossem besteiros de conto ou mareantes de mar ou de rio, e da obrigação de dar pousada nas suas casas[99].

  


[1] T.T., F. A., m. 5, n.º 7; F. A., m. 12, n.º 3, fl. 57 v.º; F.S.C., fl. 11-12; F. V., fl. 2 v.º. Publicado em P.M.H.-L.C., p. 416-418, D.M.P.-I, p. 447; J. Pinto Loureiro, Forais de Coimbra, Coimbra, 1940, p. 59-66.

[2] T.T., F. A., m. 3, n.º 3; F. A., m. 12, n.º 3, fl. 4 v.º; Gav. 6, m. único, n.º 233; Gav. 15, m. 15, n.º 24; F.S.C., fl. 13 v.º-14 v.º; F. V., fl. 4. Publicado em P.M.H.-L.C., p. 405-410. D.M.P. I, p. 437-441, Inéditos de Hist. Port., t. IV, p. 531.

[3] T.T., F. A., m. 12, n.º 3, fl. 7 v.; F. V., f. 1; Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa, cod. n.º 1, doc. 1; Museu da Cidade de Lisboa, perg.º emoldurado. Publicado em P.M.H.-L.C., p. 411-415, D.M.P.-I, p. 442-446.

[4] Gérad Pradalié, Lisboa da reconquista ao fim do século XIII, Lisboa, Palas Editores, 1975, p. 22.

[5] Alexandre Herculano, História de Portugal, IV, Lisboa, 1983, p. 188-189.

[6] Henrique da Gama Barros, História da Administração Pública em Portugal, 2.ª, Tomo V, Lisboa, s.d., p. 369, nota IX.

[7] Rui Pinto de Azevedo, Documentos Medievais Portugueses - Documentos Régios, volume I, tomo II, Lisboa, 1962, p. 762-773.

[8] Rui Pinto de Azevedo, Documentos Medievais Portugueses - Documentos Régios, volume I, tomo II, Lisboa, 1962, p. 772.

[9] Rui Pinto de de Azevedo, Um problema histórico ainda mal esclarecido (separata), Lisboa, 1962, pp. 91-92; Idem, D.M.P.-D.R. I, p. 770-773. Como já referimos, não foi apenas em Santarém, mas também em Coimbra e noutras localidades que faziam parte deste espaço meridional, que a população e a tradição moçárabe deixaram as suas marcas. Sublinhámos também a existência de referências aos alvazis, independentemente das funções que desempenhassem, na documentação coimbrã, anteriores a quaisquer outras. Estes factos constituem a base da argumentação de Torquato Soares, a que se fará menção de seguida. A questão da existência dos alvazis é por si um falso problema, uma vez que o termo alvazil jamais aparece no texto destes diplomas. O termo é anterior (já Sisnando era dux, consul ou alvazil), mas a designar os membros de um órgão plural surgirá em documentos posteriores ao foral de 1179.

[10] Torquato de Sousa Soares, O foral concedido a Coimbra, Santarém e Lisboa em 1179, “Anais da Academia Portuguesa de História”, II série, 10 (1960), p. 173-188.

[11] Torquato de Sousa Soares, Rui de Azevedo, Diplomatista e Historiador, “Anais” da Academia Portuguesa de História, II série, tomo II, vol. 23 (1976), p. 253-255.

[12] Paulo Merêa, Sobre as Antigas Instituições Coimbrãs, Coimbra, 1964, p. 44-48.

[13] Marcelo Caetano, A Administração Municipal de Lisboa durante a Primeira Dinastia (1179-1383), 3.ª edição, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 10-11.

[14] Maria Helena da Cruz Coelho, A propósito do foral de Coimbra de 1179, separata de “Arquivo Coimbrão”, 27-28, Coimbra, 1979, p. 15. Reeditado em Homens, Espaços e Poderes (séculos XI a XVI) I – Notas do Viver Social, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 105-120. Recentemente, declarou-nos a ilustre autora que se inclina cada vez mais para admitir a precedência do foral de Santarém.

[15] Museu da Cidade de Lisboa, perg. emoldurado. (A carta está transcrita a seguir ao foral de Lisboa, de Março de 1179, reescrito e confirmado na Chancelaria de D. Sancho I); T.T., Ch. de D. Af. III, liv. I, fl. 54.

[16] A designação – pretor – poderá eventualmente considerar-se uma influência do incipiente estudo do direito romano ou dos pruridos linguísticos do escriba.

[17] T.T., Livro Preto da Sé de Coimbra, fl. 15.

[18] T.T., Corpo Cronológico, Parte I, m. 1, n.º 3; Doações de D. Dinis, livro V, fl. 52. Publicado em Documentos de D. Sancho I, Coimbra, 1979, p. 180-181.

[19] O que testemunha a existência e o funcionamento deste município, embora o foral que conhecemos exiba uma data posterior.

[20] Por uma questão de método, evitámos recorrer logo de início à documentação posterior à época de outorga dos forais estudados, admitindo que se pudessem dar grandes alterações neste domínio, sobretudo no decorrer do século XII. Podemos, no entanto, citar o foral extenso de Santarém, onde se fala num processo que, em 1286, “foi julgado no concelho de Santarem por Paay Alvariz alcayde e per Vasco Perez e Ioham Domingues alvazis”; nos costumes comunicados a Oriola, em 1294, entre várias outras passagens em que são referidos, diz-se que os “degredos” devem ser como o concelho tiver por bem com o alcaide e os alvazis (Cf. P.M.H.-L.C. II, p. 39).

[21] O foral determina que, se deparar com mulher a ter relações torpes com clérigo, não prenda este, mas, se assim o entender, prenda a mulher.

[22] Podem citar-se aqui os costumes de Santarém comunicados a Vila Nova de Alvito, onde se diz que o concelho com o alcaide devem meter os porteiros, que “cheguem” os cavaleiros e os peões ao direito, se os não quiser “chegar” o mordomo, e mais à frente se fala do mordomo e seu saião, e depois se refere que o mordomo deve meter por saião quem ele quiser e dá-lo no concelho por saião “pera chegar os peões”. Nos costumes de Santarém comunicados a Oriola, em 1294, dizia-se também que o alcaide e os alvazis deviam “fazer” os porteiros.

[23] Marcelo Caetano, A Administração Municipal de Lisboa durante a Primeira Dinastia (1179-1383), 3.ª edição, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 82, nota 29.

[24] O adail é mencionado nas Posturas coimbrãs de 1145 com a designação de addael.

[25] As primeiras referências aos besteiros ou balestariis encontram-se no foral de Tentúgal e no de Sernancelhe; no de Miranda do Corvo, mencionam-se os “sagitários”. Sobre os besteiros ao longo do século XIV e XV cf. Humberto Baquero Moreno, Quelques aspects des villes médiévales portugaises. Les corps militaires et la démographie. Em Villes et Sociétés Urbaines au Moyen Age. Hommage à M. le Professeur Jacques Heers. Paris, Presses de l’Université de Paris-Sorbone, 1994, p. 113-118.

[26] A comercialização do vinho estava condicionada pela norma do relego, segundo a qual ninguém podia transaccionar o seu vinho antes de ser vendido o do rei; posteriormente viria a ser fixada uma data a partir da qual os particulares o poderiam vender livremente.

[27] Estavam isentos do pagamento de portagens o pão, o vinho, os figos e o azeite produzidos fora do concelho, em herdades pertencentes aos moradores, e que estes levassem para seu próprio consumo e não para venda.

[28] Um moio, como vimos, era composto por 4 quarteiros. O foral determina que o quarteiro seja de 14 alqueires. Por cada jugo de bois, o agricultor pagava, por conseguinte, 56 alqueires. Os cavões, que não tinham gado para o trabalho, mas cavavam toda a terra cultivada, tinham o imposto reduzido a uma teiga, mais um quarteiro por cada superfície correspondente a uma “jeira de bois” cultivada. Os rendeiros das herdades dos cavaleiros (“parceiros de cavaleiros”), se não tivessem bois, estavam isentos de tributo. Sobre as medidas usadas na época, cf. a nota 75, no capítulo VI.

[29] Foral dos mouros forros (de Lisboa, Almada, Palmela, Alcácer), em T.T., F. A., m. 12, n.º 3, fl. 12; F. S. C., fl. 16 v.º; Bens Próprios dos Reis e Rainhas, liv. I, fl. 50 v.º; F. V., fl. 25 v.º.

[30] Acerca do conteúdo destes tributos tem havido uma grande confusão entre os autores (Cf., p. e., Viterbo, Elucidário, Porto, 1983, p. 357-359, v. alfitra). No entanto ele está muito bem explicado na carta de “declaraçom dos foraes dos mouros de como devem de pagar os dereitos a elRei”, que devia ser do conhecimento de todos os estudiosos (P.M.H.- Leges II, p. 98-100). Os mouros estavam obrigados a pagar três tipos de impostos, “como davam ao rey mouro quando a terra era de mouros”, sendo os dois primeiros tributos pessoais e o último um tributo sobre os bens de capital e sobre os rendimentos:

– O imposto por cabeça, chamado inicialmente morabitino de cabeça e depois libra de cabeça (vinte soldos da moeda antiga), em função da moeda em que era pago, recaía sobre todos os que já podiam trabalhar para comer e liquidava-se anualmente no dia 1 de Janeiro;

– A alfitria, que no século XIV consistia em seis dinheiros da moeda antiga, era pago por cada mouro ou moura desde o nascimento e liquidava-se também no dia 1 de Janeiro de cada ano;

– O azequi ou azaqui, ou azoque, designava uma série de impostos que tinham de comum o facto de não incidirem sobre as pessoas mas sobre os bens de capital que possuíssem, e nesse caso era a quarentena, ou sobre os rendimentos, e então era a dízima:

·      Quarentena: todos os mouros ou mouras, no dia 1 de Maio de cada ano, pagavam um quadragésimo (2,5%) dos bens de capital que tivessem em seu poder, quer fossem próprios, quer alheios, pertencentes a cristãos, a mouros ou a judeus privilegiados; este imposto incidia inclusivamente sobre o gado, fossem bovinos, ovelhas, cabras, carneiros, cordeiros ou camelos, consistindo o tributo em um de cada quarenta desses animais que possuíssem, ou num valor calculado em dinheiro para números inferiores a quarenta; aplicava-se também o tributo da quarentena (vinte e cinco por cada mil libras) a todos as compras e vendas de bens de raiz, cujo encargo de liquidação era distribuído em partes iguais entre o vendedor e o comprador;

·Dízima do trabalho: todos os mouros ou mouras pagavam a décima parte do que recebessem de qualquer trabalho remunerado, como o dos jornaleiros ou assalariados agrícolas, o dos braceiros, alfaiates, pedreiros (alveneis) e outros; os sapateiros, ferreiros, oleiros e outros mesteirais que trabalhavam por peça, em vez da dízima pagavam a quarentena, uma vez por ano, no dia 1 de Maio;

·Dízima dos rendimentos: todos os mouros pagavam a décima parte do pão, dos legumes, do vinho, do azeite, dos figos passos, colhidos nas terras que cultivavam, do mel ou da cera das colmeias próprias ou arrendadas, do arrendamento de casas e outros edifícios, assim como do valor dos bens deixados pelos que morriam. Neste caso, a obrigação de o liquidar recaía sobre os herdeiros; nos outros casos, sobre as pessoas que tivessem as herdades ou os bens a seu cargo, embora a expensas dos verdadeiros proprietários.

– O encargo de cuidar das vinhas de El-Rei foi em dada altura substituído por um tributo anual de 25 soldos de moeda antiga (ou 20 soldos se o mouro ainda fosse solteiro), mas D. Dinis dispensará desse tributo os mouros de Lisboa.

[31] A história municipal de Lisboa ao longo da primeira dinastia foi objecto de valiosos estudos de Gérard Pradalié e Marcelo Caetano: Marcello Caetano, A Administração Municipal de Lisboa durante a Primeira Dinastia (1179-1383), Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1951, 3.ª edição, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 10-11; Gérad Pradalié, Lisboa da reconquista ao fim do século XIII. Trad. de Maria Teresa Campos Rodrigues, Lisboa, Palas Editores, 1975.

[32] Museu da Cidade de Lisboa, perg. emoldurado. (A carta está transcrita a seguir ao foral de Lisboa, de Março de 1179, reescrito e confirmado na Chancelaria de D. Sancho I); T.T., Ch. de D. Af. III, Liv. I, fl. 54. Publ.: E. F. Oliveira, Elementos para a Hist. do Município de Lisboa I, p. 1; Rev. Municipal de Lisboa, Ano I, n.º 1, p. 18; J. M. Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, vol. I, p. 5.

[33] Marcelo Caetano, A Administração Municipal de Lisboa durante a Primeira Dinastia (1179-1383), 3.ª edição, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 107-109.

[34] Marcelo Caetano, l. c., p. 27.

[35] P.M.H.-L.C., p. 213.

[36] T.T., Ch. de D. Dinis, liv. I, fl. 163 v.º-175. Registe-se o alto número de “vogados” que participaram na assembleia a que este documento se refere.

[37] Marcelo Caetano, l. c., p. 34.

[38] Marcelo Caetano, l. c., p. 34.

[39] Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, Livro dos Pregos, fls. 31 v.º; Publicada por Marcelo Caetano, l. c., p. 112.

[40] T.T., Ch. de D. Dinis, liv. III, fl. 6.; Publicada por Marcelo Caetano, l. c., p. 113.

[41] Marcelo Caetano, l. c., p. 41.

[42] Marcelo Caetano, l. c., p. 56-57.

[43] T.T., Ch. D. Af. IV, liv. IV, fl. 77 v.º-78.

[44] Marcelo Caetano, l. c., p. 69.

[45] A. G. Simancas, Patronato Real, leg. 48, fol. 41. Publ. por Salvador Dias Arnault, A Crise Nacional dos fins do século XIV. A Sucessão de D. Fernando, Coimbra, 1960, p. 409; A. H. de Oliveira Marques e outros, Cortes Portuguesas. Reinado de D. Fernando I (1367-1383), Lisboa, 1993, p.167-172.

[46] T.T., Ch. D. Fern., liv. I, fl. 122.

[47] Fernão Lopes, Crónica de D. Fernando, cap. 61 e 66. Já referido por Marcelo Caetano, l. c., p. 99.

[48] No conjunto esses reguengos eram os de Laveiras, Ribamar, Algés, Carnaxide, Restelo, Alcolena, Oeiras, do lado ocidental, e Camarate, Frielas, Sacavém e Unhos, do lado oriental. Cf. Pedro de Azevedo, Os reguengos da Estremadura na 1.ª dinastia, em Revista da Universidade de Coimbra, XI, p.577, citado por Marcelo Caetano, l. c., p. 33.

[49] T.T., Ch. D. Dinis, liv. III, fl. 89.

[50] Marcelo Caetano, l. c., p. 35. Em 1376, os moradores de Oeiras viram-se forçados a pedir a intervenção do Rei contra o almoxarife, que destituíra o juiz e um vereador que tinham elegido, nomeando outros de seu arbítrio. El Rei mandou repor a situação anterior e determinou: “Teemos por bem e mandamos que vos com os moradores do dicto nosso reguengo desse logo enleiades em cada huum anno ao tempo que avedes de custume de os enlegerdes dous homens boons que seiam juizes e que huum delles seia desse logo d’ueiras e que ho outro seia dese reguengo. Outrossy dous vereadores scilicet huum vereador de cada huum desses lugares e outrossy vossos officiães pella guisa que se sempre husara e custumara de fazer E esses juizes seiam confirmados per o nosso almoxarife das ovenças da nossa alfandega de lixboa per a guisa que se custumou de fazer”. TT., Ch. D. Fern., liv. I, fl. 193.

[51] Marcelo Caetano, l. c., p. 35-36.

[52] Doc. do most.º de S. Vicente de Fora, publ. em P.M.H.-L.C., p. 683-684.

[53] António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe, vol. I, Lisboa, Seara Nova, 1972, p. 84.

[54] D. Afonso Henriques, filho do conde D. Henrique.

[55] António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe, vol. II, Lisboa, Seara Nova, 1973, p. 299.

[56] T.T., Ch. D. Dinis, liv. I, fl. 265 v.º.

[57] T.T., Ch. D. Dinis, liv. I, fl. 266 v.º.

[58] Ibidem, ibidem.

[59] Em 1306, El-Rei pagaria ao concelho de Azambuja mil libras em dinheiros pela “doação” da lezíria da Corte dos Cavalos. T.T., Ch. D. Dinis, liv. V, fl. 52 v.º.

[60] T.T., Ch. D. Dinis, liv. II, fl. 70.

[61] T.T., Ch. D. Dinis, liv. V, fl. 39 v.º.

[62] T.T., Ch. D. Dinis, liv. V, fl. 50.

[63] T.T., Ch. D. Dinis, liv. V, fl. 47.

[64] T.T., Ch. D. Dinis, liv. V, fl. 49 v.º

[65] T.T., Ch. D. Dinis, liv. III, fl. 21 v.º.

[66] T.T., Ch. D. Dinis, liv. III, fl. 107 v.º. Docum. transcrito por Virgínia Rau, l. c., p. 107-108.

[67] T.T., Ch. D. Dinis, liv. III, fl. 131.

[68] T.T., Ch. D. Dinis, liv. III, fl. 138.

[69] T.T., Ch. D. Dinis, liv. III, fl. 66 v.º.

[70] T.T., Ch. D. Dinis, liv. III, fl. 86.

[71] T.T., Ch. D. Dinis, liv. IV, fl. 29.

[72] T.T., Ch. D. Dinis, liv. IV, fl. 31 v.º.

[73] T.T., Ch. D. Dinis, liv. IV, fl. 31 v.º.

[74] Designação da localidade que a partir de 7 de Dezembro de 1836 se passou a chamar Constância.

[75] T.T., Ch. D. Pedro I, liv. I, fl. 42.

[76] T.T., Ch. D. Pedro I, liv. I, fl. 42.

[77] T.T., Ch. D. Pedro I, liv. I, fl. 93. As medidas decretadas foram as seguintes:

– os proprietários das principais herdades produtoras de pão no termo da vila, incluindo os poderosos e as ordens, deviam instalar e manter abegoarias devidamente providas de bois e mancebos;

– os lavradores que não tivessem herdades próprias e em tempos anteriores se ocupavam a lavrar herdades alheias deviam ser constrangidos a morar nestas, desde que aí houvesse gado, mancebos e sementes;

– devia registar-se num livro o nome de todos os serviçais da vila que trabalhavam nas vinhas, com a indicação do salário adequado à sua especialidade (cavões, podadores, enxertadores e outros) e aplicar-se uma multa a quem lhes pagasse mais do que o salário fixado;

– no prazo de um ano, todos os proprietários de casas arruinadas, quer fossem senhores, quer ordens militares ou religiosas, deviam refazê-las, caso contrário tomar-se-lhes-iam bens e rendas no valor correspondente e com eles se procederia às obras necessárias;

– o “juiz de El-Rei” na vila e os alcaides, assim como os juízes ou alvazis locais, deviam fazer cumprir estas determinações;

– tirar-se-á uma inquirição sobre os abusos dos funcionários régios para que os seus desmandos lhes sejam “estranhados nos corpos e nos haveres”.

[78] T.T., Ch. D. Pedro I, liv. I, fl. 93.

[79] T.T., Ch. D. Fernando, liv. I, fl. 65.

[80] Se não a cidade de Santarém, o que constituirá uma das poucas excepções, pelo menos uma parte do território sobre o qual o concelho detinha a jurisdição – a póvoa de Montargil – foi também objecto da leviana política de doações posta em prática por D. Fernando (T.T., Ch. D. Fernando, liv. I, fl. 90, 91 v.º) e, com a mesma ligeireza, novamente integrada no termo do concelho de que tinha sido desanexada (T.T., Ch. D. Fernando, liv. I, fl. 133).

[81] T.T., Ch. D. Fernando, liv. I, fl. 125 e 129.

[82] A. G. Simancas, leg. 48, fl. 21. Publicado por Salvador Dias Arnault, A Crise Nacional dos fins do século XIV. A Sucessão de D. Fernando, Coimbra, 1960, p. 450.

[83] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 49 v.º.

[84] T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fl. 96 v.º - 97 v.º. Publicado por Virgínia Rau, Feiras Medievais Portuguesas, 2.ª ed., Lisboa, 1983, p. 177-180.

[85] T.T., Ch. D. Dinis, liv. II, fl. 10 v.º.

[86] T.T., Ch. D. Fern., liv. II, fl. 68 v.º-69.

[87] T.T., Conv. Santa Cruz, pasta 3, arm. 22, m. 6, n.º 15, Publ.: Maria Helena da Cruz Coelho, O Baixo Mondego nos finais da Idade Média, 2. º vol., Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1989, p. 751-752.

[88] T.T., Ch. D. Fern., liv. II, fl. 11 v.º.

[89] T.T., Ch. D. Fern., liv. II, fl. 25.

[90] T.T., Ch. D. Fern., liv. IV, fl. 93.

[91] T.T., Ch. D. Fern., liv. II, fl. 35 v.º.

[92] T.T., Ch. D. Fern., liv. I, fl. 50.

[93] T.T., Ch. D. Fern., liv. I, fl. 113 v.º.

[94] T.T., Ch. D. Fern., liv. I, fl. 113 v.º.

[95] T.T., Ch. D. Fern., liv. I, fl. 134 v.º.

[96] As outras terras a que a carta foi endereçada foram Guimarães, Lamego, Valadares, Tarouca e Valença.

[97] T.T., Ch. D. Fern., liv. I, fl. 109 v.º. Foram exceptuadas as doações feitas pelo rei ou por seu pai aos infantes seus irmãos, nas quais se devia seguir o que estava estipulado no documento de doação.

[98] T.T., Ch. D. Fern., liv. I, fl. 113 v.º.

[99] T.T., Ch. D. Fern., liv. I, fl. 131 v.º e 134 v.º